O para e arranca de Belo Horizonte é um dos tormentos dos motoristas e dos usuários de transporte público da cidade já faz bem uns 10 anos. De microssolução em microssolução, até hoje a capital não teve obra ou interferência que desse, de verdade, um fim a esse movimento repetitivo e chato. Agora, a bola da vez é o BRT, o trânsito rápido de ônibus, que está sendo implantado em grandes corredores do Vetor Norte e da região Centro-Sul. Mas há dúvidas, e muitas, dos especialistas sobre a sua eficiência para BH. A aposta é de que será mais um paliativo. Na linha do que poderia ser feito para melhorar de vez o trânsito, a unanimidade é o metrô, o mais eficiente e de maior capacidade do mundo. Caro, na falta dele, a luz que aparece no fim do túnel vem do monotrilho, que, em vez da terra, usa o céu para transportar os passageiros.
Não é só metaforicamente falando. A grande diferença entre metrô e monotrilho está na estrutura de cada um. Enquanto o metrô – o verdadeiro, e não o trem de superfície que existe em Belo Horizonte – utiliza os subterrâneos para não incomodar quem passa por cima, o monotrilho usa o nível de cima para não atrapalhar quem está embaixo. Explicando: os vagões do monotrilho circulam por estruturas suspensas, como se fossem passarelas, a cerca de 15 metros do solo. Geralmente, são instaladas nos canteiros centrais das avenidas, utilizando um corredor de dois metros de largura para isso.
A discussão sobre as vantagens e desvantagens de cada um dos grandes modais foi feita pelo engenheiro de produção Uarlem José de Faria Oliveira, em monografia de pós-graduação pelo Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). Ele criou um quadro comparativo em que analisou o BRT, o VLT (veículo leve sobre trilhos), o monotrilho e o metrô. O BRT é um sistema que utiliza pista exclusiva para ônibus. A plataforma de embarque é elevada, e os veículos só param nas estações. Os passageiros só acessam o coletivo com o tíquete pago.
O VLT tem funcionamento semelhante ao do BRT, já que utiliza pista exclusiva e não concorre com os outros meios de transporte por um espaço no trânsito. A grande diferença é que ele corre sobre trilhos, enquanto o BRT corre sobre pneus. Ou seja, no quadro do engenheiro, foram analisados três transportes sobre trilhos e um sobre rodas. A conclusão a que chegou e que pode ser confirmada pelo quadro é a de que o BRT, dos quatro, é o que tem menos vantagens. A única, aliás, apontada, é o custo de produção. Gasta de 15 milhões a 20 millhões de dólares por quilômetro construído. Por outro lado, o VLT custa de 20 milhões a 50 milhões de dólares o quilômetro, o monotrilho, de 40 milhões a 70 milhões de dólares, e o metrô, de 80 milhões a 120 milhões de dólares.
Dos quatro modelos, o BRT é o que tem menor capacidade máxima de transporte – 10 mil a 30 mil passageiros por hora por sentido – e o metrô é o que tem mais – de 25 mil a 80 mil por hora por sentido. O VLT e o monotrilho quase empatam. O primeiro consegue levar de 10 mil a 40 mil passageiros por hora por sentido e o segundo, de 15 mil a 50 mil. Outros quesitos em que o BRT perde é em ruído (elevado), conforto (menor, por causa de freadas e semáforos), capacidade de atrair usuários de carro de passeio (baixa) e emissão de carbono por passageiro (alta). Em interferência no trânsito, custo de desapropriação e interferência durante a construção, que são considerados altos no quadro, ele empata com o VLT. O monotrilho tem descrições melhores que os dois em todos os quesitos e perde para o metrô em interferência durante a construção. Por outro lado, ganha em ruído (menor) e custo de desapropriação.
De acordo com Uarlem Oliveira, em geral, o sistema sobre trilhos é o ideal para linhas troncais – aquelas existentes em locais em que há grande demanda –, a partir de 10 mil a 15 mil passageiros por hora. As alimentadoras, que vão abastecer as troncais e que geralmente saem dos bairros para a estação, não precisam ser sobre trilhos, observa. “Para alimentadora, é ônibus mesmo. É o único que tem alta capilaridade. Não existe outro.”
Segundo o pesquisador, a grande vantagem do monotrilho é ser mais barato que o metrô, podendo ter a mesma eficiência dele, com menor tempo de construção e sem a necessidade de cavar túneis. As peças para instalação do monotrilho podem ser pré-moldadas e montadas à noite, não interferindo no trânsito diurno, que costuma ser pesado. Não há desapropriação e não interfere em redes subterrâneas, como de esgoto.
As principais críticas ao monotrilho são relacionadas à questão urbanística, pelo fato de ele ser instalado sobre corredores suspensos, similares a viadutos – mas que tem a vantagem de permitir ao passageiro ver a paisagem, completa –, à evacuação em caso de pane – há fabricantes que têm sistema parecido com o de avião (rampas infláveis) e outros que usam passarela de ligação entre os vagões de um sentido e de outro, para transferir os passageiros – e à capacidade, inferior à do metrô.
Com relação ao BRT, Uarlem Oliveira acredita que as análises feitas são superficiais. “É muito bom para cidades de médio porte e dependendo de como a cidade é construída, se tem avenidas largas que comportam.” Para Belo Horizonte, ele acredita que a solução BRT é paliativa e de curto prazo. “Daqui a 10 anos, vão estar pensando de novo em solução para o trânsito. Se gastassem mais agora, o problema estaria resolvido para os próximos cem anos”, sugere. Na opinião do pesquisador, o monotrilho atenderia bem a cidade, já prevendo o perfil dela no futuro. “Não é à toa que São Paulo está fazendo três linhas de monotrilho.”
É consenso entre técnicos e acadêmicos que o ideal para qualquer cidade de grande porte é que existam vários modais se complementando e que um não é melhor que outro, já que cada um é adequado para um tipo de problema que se quer atacar. A ideia de criar monotrilho em Belo Horizonte ganhou defensores nos últimos dois anos, principalmente depois da iniciativa de São Paulo, de implantar 24,5 quilômetros do sistema, com capacidade para 48 mil passageiros por hora – a maior do mundo – e, também, diante da dificuldade relacionada à concretização do metrô por aqui – por falta de verba e de vontade política. Entre os que são a favor do modal, estão entidades de classe e empresariais, como a Sociedade Mineira de Engenheiros, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-MG) e a Associação Comercial de Minas Gerais (ACMinas), além de acadêmicos das principais universidades de BH.
Um dos que se manifestam a favor do monotrilho é o professor de engenharia de transporte e trânsito da Universidade Fumec, Márcio Aguiar, que coordena essa área na instituição. Segundo ele, toda a cidade deveria ter vários modais. No caso de Belo Horizonte que, no momento, possui apenas os ônibus e o trem de superfície e desenvolve o BRT, o professor acha que há equívocos. Isso porque, diz, a cidade se inspira no modelo de Curitiba, que, a partir da década de 1960, começou a pensar o BRT. Depois disso, a cidade começou a ser planejada tendo o BRT em sua estrutura e, por isso, o sistema deu certo.
No caso de Belo Horizonte, não ocorreria assim, já que a cidade está estruturada de uma forma e terá um sistema BRT adicionado a ela. Aguiar também acredita que o BRT, na capital mineira, terá boa fluência no percurso, mas vai encontrar problemas nas pontas, ou seja, nas estações de embarque e desembarque, já que haverá acúmulo de carros para um espaço limitado. O mesmo problema ele vislumbra para o túnel da Lagoinha, na avenida Cristiano Machado.
Com relação aos modais sobre trilhos, o professor defende que não se pode considerar o existente em Belo Horizonte como metrô, porque um dos princípios do modal é ser segregado dos demais meios e buscar a demanda onde ela estiver, o que não ocorre. Ele ressalta, como outros especialistas, que o metrô é o melhor sistema, mas é caro, demanda mais tempo e é difícil de ser construído. “Até para calcular orçamento é difícil, porque você tem de escavar o subterrâneo e não sabe o que pode encontrar, como aconteceu em São Paulo (quando houve deslizamento de terra na construção da linha 4).”
Os cálculos dos especialistas são de que um quilômetro de metrô leve um ano para ser construído, enquanto, no caso do monotrilho, é possível fazer cinco quilômetros em um ano. Segundo Márcio Aguiar, o monotrilho é o mais adequado, por exigir pouca desapropriação, ter custo de um terço do metrô, ser rápido, segregado, silencioso, ter maior capacidade de rampa que o metrô – mais de acordo com o relevo de Belo Horizonte – e exigir menor área para fazer curvas.
Para o engenheiro civil Luiz Otávio Silva Portela, membro da Comissão de Transportes da SME, existem dois tipos de solução para o transporte de massa da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que seriam abaixo ou acima do chão. Ele não considera a possibilidade no nível do chão, caso do BRT e do VLT, porque, na opinião dele, não há mais espaço para isso na região e o alargamento das vias é difícil devido ao alto valor que deveria ser empenhado em desapropriação, dos prejuízos sociais e econômicos e do elevado tempo que esse processo demanda. As alternativas no chão têm, ainda, o problema da poluição ambiental, fator “que tem sido esquecido pelas autoridades”, acrescenta.
A solução debaixo do chão, ou seja o metrô, teria os problemas de custo e de tempo e, ainda, o de construção. “No caso de Belo Horizonte, com relevo montanhoso, metrô subterrâneo implicaria estações bastante profundas, o que seria também um fator de acréscimo de custo e de prazo”, diz o engenheiro.
Como o modelo acima do chão, o monotrilho é elétrico, não há aumento de poluição sonora e atmosférica. O BRT tem motor a combustão e, por isso, não é alternativa que vá poupar o meio ambiente. E, quanto à crítica que pesa contra o modal, de poluição visual, Luiz Otávio considera que ela é menor que a de rampas de viadutos, por serem estreitas. Além disso, o visual moderno do monotrilho é ponto a favor, na opinião de Luiz Otávio.
No quesito tempo de implantação, o engenheiro chama a atenção para o fato de que o BRT ou o VLT, das soluções acima do chão – já que ele também poderia ser pensado em nível acima, se instalado em viadutos –, é o mais demorado, devido ao processo de desapropriação de imóveis comerciais e residenciais. Outro ponto favorável ao monotrilho, conforme o membro da SME, é a forma de operação. Ele dispensa operador, por ser totalmente automático e computadorizado. Por outro lado, o VLT exige operador e o BRT, motorista. Além disso, o monotrilho teria mais capacidade que o BRT – até 550 passageiros por composição, com quatro vagões cada, contra 160 passageiros por composição de BRT. Luis Otávio lamenta que as autoridades de BH não queiram “acreditar na capacidade de transporte do monotrilho. A solução acima do chão com o modal monotrilho é a mais interessante, conveniente e factível de utilizar para o transporte de massa, devidamente integrada aos demais modais já existentes.”
O presidente da organização não governamental SOS Mobilidade, José Aparecido Ribeiro, que é também assessor de mobilidade da ACMinas, conta que, antes de defender a causa monotrilho, membros da associação foram a São Paulo para conhecer melhor o sistema. “Achamos que é o mais viável para Belo Horizonte, pelo custo, rapidez e demanda da cidade”, diz.
Segundo ele, existe a tendência de se achar que o metrô é melhor, mas, devido ao alto custo e ao tempo elevado de construção, acaba não sendo. E há outro fator, conforme José Aparecido, que é o de ele, às vezes, ser muito para a demanda da cidade. Um metrô é capaz de transportar 200 mil passageiros, por hora, por exemplo, mas poucas cidades têm essa demanda nos horários fora de pico.
Na opinião dele, o monotrilho deveria ser a segunda opção de modal. O VLT só deveria ser pensado para regiões planas, como a da Pampulha, e em que é possível interligar muitos bairros por um ponto centralizador. E tem o problema de ocupar uma faixa de rolamento, apesar de ser para colocação de vagões com mais capacidade de transporte que o BRT, que também ocupa uma faixa, mas transporta menos pessoas. “Consome um espaço que a cidade não tem”, afirma. O metrô tem o problema do custo e do tempo de construção. Além disso, ele acredita que a viabilização do metrô em BH passa pelas empresas de transporte de ônibus, que têm a concessão de uso do sistema e fariam resistência à implantação de um meio diferente.
A BHTrans informou que não considera o monotrilho como a prioridade no atual plano de mobilidade do governo, por não se tratar de um meio de transporte de alta capacidade (em relação ao BRT e metrô), embora não o descarte como mais um modal. Segundo o órgão, o enfoque é na conclusão do BRT nos corredores da Antônio Carlos, da Cristiano Machado, da Pedro 2º, da Amazonas e da área central, integrando-o ao projeto de expansão do metrô, que será a principal modalidade de transporte da cidade, conforme a BHTrans.
Autor(a) Cláudia Rezende
Informações: Jornal TudoBH
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