Como mora no miolo da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, todas as quartas-feiras a diarista Maria de Jesus da Silva, de 44 anos, vai a pé ou de bicicleta até a Estação Merck do BRT, na Taquara, onde embarca até o Jardim Oceânico e, de lá, segue de metrô para Botafogo, na Zona Sul da cidade. Além das filas para entrar no BRT, perde muito tempo na baldeação. Dependendo do dia, chega a levar mais de duas horas até o endereço onde trabalha, e o mesmo tempo na volta para casa. Se a Linha 4 do metrô — que parou no Jardim Oceânico — já chegasse até o Recreio dos Bandeirantes, a vida da diarista seria outra.
— Também teria que ter mais ônibus para suprir a necessidade do BRT. Só temos um ônibus, o 990 (Merck -Joatinga), que passa perto da Cidade de Deus e vai para o metrô. E, quando passa, a gente nem consegue entrar de tão cheio. E ainda demora à beça — completa a diarista.
O trecho do metrô entre o Jardim Oceânico e o Recreio chegou a ser idealizado para a Olimpíada de 2016, mas empacou durante a grave crise financeira do estado, sendo substituído pelo BRT. Teria cerca de 20 quilômetros e seria escavado sob o canteiro central da Avenida das Américas. Esse e outros projetos de transportes sobre trilhos e no mar, com orçamentos que beiram R$ 100 bilhões, estão em pranchetas, gavetas e promessas dos governos.
A expansão do metrô carioca parou há quase dez anos, quando as obras da Estação Gávea foram interrompidas e o buraco preenchido por água para tentar sustentar a estrutura. Iniciado em 1979, o modal tem 54,4 quilômetros, 41 estações e três linhas. Apenas cinco anos mais velho, o metrô de São Paulo tem 104,4 quilômetros, 91 estações e seis linhas.
Depois de um acordo assinado em outubro do ano passado — envolvendo MPRJ, TCE, governo do Estado, MetrôRio e o consórcio construtor Rio Barra da Linha 4 —, e muitas promessas de recomeço, agora o secretário estadual de Transporte, Washington Reis, diz que a construção da Estação Gávea entra nos trilhos no mês que vem, após assinatura de aditivo com o MetrôRio, que investirá R$ 600 milhões nas obras e terá o seu contrato de concessão prorrogado por dez anos, até 2048. O estado se comprometeu a aplicar R$ 97 milhões e criou um fundo de reserva de R$ 300 milhões para serem usados, se necessário, na estação e na conclusão de um trecho da galeria São Conrado-Gávea.
Além da Estação Gávea
A Linha 4 consumiu até agora cerca de R$ 10 bilhões. E, para celebrar o novo contrato com o MetrôRio, o estado gastou mais R$ 3 milhões: contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) para dar suporte, inclusive no cálculo de tarifa.
Para o presidente do MetrôRio, Guilherme Ramalho, a retomada das obras da Estação Gávea é simbólica e importante. Mas é preciso não parar por aí:
— Mais do que a Gávea, a gente tem que voltar a poder investir. O Rio precisa voltar a ter investimento constante em infraestrutura. A cidade tem demandas grandes no setor de transporte.
O último plano diretor do metrô, de 2017, somado ao Metrô Leve da Baixada (Pavuna-Nova Iguaçu) — prometido pelo governador Cláudio Castro durante campanha para a reeleição —, prevê mais de 178 quilômetros de trilhos, que não saíram do papel. A execução de todos custaria mais de R$ 80 bilhões. Ainda está pendente o trecho de 1,2 quilômetro para ligar o Alto Leblon — onde o tatuzão, máquina para escavar túneis, apodrece sob a Rua Igarapava — à Estação Gávea.
Para completar a nova Linha 4 projetada, seria necessário ainda interligar o Jardim Oceânico ao Recreio. Consta também do projeto original do metrô a Linha 4 passando por Humaitá, Laranjeiras e Botafogo, chegando ao Centro. Da Gávea ainda está projetada uma ampliação até a Rua Uruguai, cortando o Maciço da Tijuca. Especialistas consideram fundamental concluir a Linha 2, levando os trilhos do Estácio até a Praça Quinze, passando pela Cruz Vermelha. Mais uma linha incluída no traçado, a 3, passaria sob a Baía de Guanabara, chegando a Niterói e São Gonçalo.
Na campanha eleitoral, o prefeito Eduardo Paes anunciou que pretende transformar em VLT os corredores do BRT Transoeste e Transcarioca. Pelos cálculos iniciais, segundo disse Paes na ocasião, “veletizar” esses dois corredores exclusivos teria um custo inicial estimado de R$ 16 bilhões. A prefeitura também já fez estudo para implantar VLT ligando Botafogo, Gávea e Leblon, um investimento de R$ 1,5 bilhão.
Outra ideia é a implantação do BRT Metropolitano na cidade, que aparece em decreto no primeiro dia da nova administração Paes. Na prática, a ideia é fazer a integração entre os transportes municipais e intermunicipais. E isso poderá acontecer com a conclusão de dois terminais que constam do Transbrasil, estimados em R$ 100 milhões: o Trevo das Margaridas, que poderia absorver quem vem da Baixada Fluminense pela Via Dutra; e o do Trevo das Missões, idealizado para aliviar o trajeto para quem chega da Baixada pela Rodovia Washington Luís.
No transporte pela Baía de Guanabara, a Companhia Carioca de Parcerias e Concessões (CCPAR), da prefeitura, tenta licitar desde o ano passado uma ligação por barcas entre os aeroportos Santos Dumont e Tom Jobim. O investimento previsto para implantação era de R$ 109,5 milhões. Depois de vários adiamentos, a licitação foi realizada em dezembro, mas não apareceram interessados. A CCPar está refazendo o edital para relançá-lo.
Já a ligação por barca entre São Gonçalo e a Praça Quinze não tem qualquer estimativa de preço. A Secretaria de Transportes do estado informa que novos trajetos de barcas poderão ser criados “de acordo com a demanda de passageiros e a viabilidade econômica e a capacidade operacional”.
De concreto, a curto prazo o que está no horizonte da Secretaria estadual de Transportes é o lançamento de estudo e da modelagem da ligação Estácio-Praça Quinze, da Linha 3 e do metrô entre o Jardim Oceânico e o Recreio. Reis diz que sua meta é lançar a licitação da conclusão da Linha 2 e a implantação da Linha 3 ainda este ano:
— Vamos fazer uma licitação internacional e chamar o mundo para cá. Eu vou dizer uma coisa, se o governo federal atual, com a caneta na mão, não abraçar esse projeto, qualquer outro presidente que vier faz tudo.
Morador de São Gonçalo, o técnico de refrigeração Rodrigo Caetano, de 40 anos, trabalha nas zonas Sul e Oeste do Rio e sonha com a Linha 3 do metrô.
— Já ouvi falar, mas não sei se vai ter mesmo. Meu sonho era que fosse tudo metrô. Não dá para comparar. É rápido, mais barato, mais seguro. Até lá podia ter mais BRT pela cidade toda, cortar um pouco o trânsito — espera.
Transporte sustentável
A ampliação dos transportes sobre trilhos é rota mais indicada também quando o assunto é impacto ambiental. Considerando os deslocamentos da Região Metropolitana do Rio, os modais sobre trilhos são os que menos consomem energia, não emitem gases que aceleram o aquecimento global, como o dióxido de carbono (CO2), e duram pelo menos 60 anos.
— Uma urgência é reduzir o uso de automóvel particular, deveria ser a última opção na movimentação da cidade. Se queima muito combustível para transportar uma pessoa só, promove engarrafamento. Para se ter ideia, um SUV movido a gasolina gasta a energia equivalente a uma viagem de avião de um passageiro — diz Márcio D’Agosto, presidente do Instituto Brasileiro de Transporte Sustentável.
Tarifa zero: opiniões divergentes
Pelo menos dez municípios fluminenses têm ônibus com tarifa zero: Paracambi, São Fidélis, São Sebastião do Alto, Cantagalo, Carmo, Casimiro de Abreu, Silva Jardim, Tanguá, Maricá e São João da Barra.
Diretor da FGV Transportes, Marcos Quintela afirma que, embora pareça vantajosa para os usuários, a tarifa zero também tem suscitado reflexões sobre a viabilidade econômica e a capacidade de manter a qualidade e eficiência dos serviços com o passar do tempo. “Ao eliminar a tarifa do sistema, a demanda pelo serviço inevitavelmente aumenta, levando a uma maior ocupação dos veículos e exigindo um aumento da oferta de viagens”, diz ele. “Esse aumento na operação do serviço acarreta incremento significativo nos custos operacionais para os municípios, uma vez que se tornam os únicos responsáveis pelos repasses financeiros para subsidiar o sistema”, acrescenta.
Antropólogo, urbanista e militante do Movimento Passe Livre, Paique Duque Santarém ressalta que, nos últimos anos, as empresas tiveram uma retração nos lucros e buscaram financiamentos, subsídios e redução de imposto, “mas a passagem continuou aumentando muito”. Isso, diz ele, “desregula o sistema e cria um ciclo vicioso: aumenta a tarifa, o que reduz o número de usuários, o valor não se sustenta com inflação, e aí se aumenta a tarifa de novo”. Para o transporte público se salvar, avalia, “é preciso constituir um Sistema Único de Mobilidade, a exemplo do SUS, nacionalizando o financiamento por meio de taxas. Ele seria constituído por autoridades dos âmbitos federal, estadual e municipal, atuando de forma conjunta, principalmente nas regiões metropolitanas”.
Informações: O Globo