Um decreto publicado no Diário Oficial desta segunda-feira (25/2) institui uma situação inédita na capital do país: a intervenção em parte do sistema de transporte público coletivo do Distrito Federal. A partir desta manhã, o governo do DF assumirá o controle, a administração e a operação das empresas Viva Brasília, Rápido Veneza e Rápido Brasília, integrantes do Grupo Amaral, do ex-senador Valmir Amaral (PTB-DF).
Para promover a medida, o governo preparou uma operação diretamente coordenada pelo governador Agnelo Queiroz (PT) e pelo vice Tadeu Filippelli (PMDB). Acompanhados por policiais, técnicos e analistas do DFTrans e técnicos da Secretaria de Transportes vão assumir a administração das empresas que transportam 100 mil passageiros por dia. São mais de 2,2 milhões por mês. A operação das linhas ficará a cargo da Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB), sob a supervisão do presidente da empresa pública, Carlos Alberto Koch, com o aproveitamento da frota, estrutura e pessoal das três permissionárias privadas. Cobradores e motoristas serão mantidos, mas o governo terá o controle do fluxo de caixa, da arrecadação e da parte administrativa.
Reequilíbrio
O mecanismo é denominado na Lei Orgânica do DF como “assunção” dos serviços. O objetivo do governo é o reequilíbrio para manter a operação e fazer valer as obrigações das três permissionárias que vêm sendo sistematicamente descumpridas há meses tornando-as campeãs em reclamações de passageiros de ônibus principalmente na saída Norte do DF. As empresas têm a concessão de linhas em Planaltina, Sobradinho, São Sebastião, Paranoá e Itapoã em ligação com o Plano Piloto. Para atender a necessidades diárias e manter o sistema em operação, o GDF abriu uma linha de crédito para custear despesas emergenciais, com um limite de R$ 15 milhões.
A avaliação do governo é de que pela rotina de atrasos, superlotação e uso de veículos com idade avançada provocando desconforto, riscos e prejuízos diários para quem precisa do transporte público, as empresas de Valmir Amaral podem provocar um colapso no sistema. Com a obrigação de manter pelo menos 350 ônibus em operação, as permissionárias têm se valido de menos de 200, muitos em condições precárias. O resultado é uma péssima qualidade dos serviços. “O governo não vai permitir que a população seja penalizada, ficando sem transporte diário. Agimos agora, de forma firme, com respaldo jurídico, para assegurar a operação das linhas que estavam sob a responsabilidade dessas empresas, da mesma forma que agimos no início do governo para retomar o controle da bilhetagem eletrônica”, afirmou o governador Agnelo Queiroz ao Correio.
Acordo descumprido
A decisão foi amadurecida nos últimos meses. Em julho do ano passado, o Grupo Amaral firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o DFTrans, intermediado pela 2ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor e pela Procuradoria Distrital dos Direitos do Cidadão do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O acordo foi totalmente descumprido. Por isso, segundo o vice-governador, o Executivo não teve outra opção a não ser assumir os serviços. “Essa decisão é fruto de mais de oito meses de trabalho. O governo adota tal medida para evitar o colapso. Busca a manutenção do sistema de transporte. Nossa meta é perseguir a melhoria da qualidade dos serviços para a população”, diz Filippelli.
Entre as cláusulas ignoradas, estão os compromissos de manter 300 ônibus nas ruas e fazer um aporte de investimentos de R$ 880 mil por mês. O DFTrans criou uma comissão de fiscalização para acompanhar o cumprimento do TAC, como foi determinado pelo Ministério Público. Esse trabalho detectou que apesar da palavra dada pelo Grupo Amaral, as falhas persistem.
A "assunção" dos serviços é a primeira na história do DF, mas já ocorreu em municípios do Rio de Janeiro e São Paulo. Técnicos da Secretaria de Transportes estudaram experiências, como a ocorrida em Petropólis (RJ) recentemente. Nos últimos meses, houve um intenso trabalho de bastidores. Até mesmo representantes do Sindicato dos Rodoviários foram procurados com a promessa de que não haverá demissões. Pelo contrário, a medida poderá facilitar o pagamento dos empregados.
Irregularidades
Não há previsão de conclusão dos trabalhos do GDF no Grupo Amaral. Num segundo passo, a Secretaria de Transparência e Controle do DF deverá realizar auditorias para detectar eventuais irregularidades, fraudes e sabotagens. O trabalho foi discutido em reuniões sigilosas durante toda a semana passada. No sábado e domingo, os detalhes operacionais foram tratados pelos técnicos.
A decisão de assumir o controle das empresas foi analisada também pelo corpo jurídico do governo, segundo o qual há previsão na Lei Orgânica do DF para medida drástica, uma vez que cabe ao Poder Público fiscalizar a qualidade dos serviços de transporte coletivo e garantir que o sistema funcione sem risco de colapso. “Agiremos sempre, dentro da mais absoluta legalidade, para resguardar os direitos da população do Distrito Federal, em especial o direito ao transporte público de qualidade. É por isso que estamos licitando todo o sistema e fazendo mudanças profundas nessa área. Tiraremos o DF do último lugar, entre as 17 maiores cidades da América Latina, em qualidade de transporte público”, disse o governador.
A situação do Grupo Amaral, que já reuniu um conglomerado de empresas na área de transporte público, aéreo e concessionária de veículos, vem se deteriorando nos últimos anos. Uma disputa familiar dividiu o poderio de Valmir Amaral, suplente que exerceu o mandato no Senado durante sete anos, entre 2000 e 2007, com a cassação do titular, Luiz Estevão. Nos tempos de poder político e econômico, Amaral conseguiu em 1999 até mesmo indicar um funcionário de suas empresas como diretor do antigo DMTU (Departamento Metropolitano de Transportes Urbanos), hoje DFTrans, o órgão responsável pela fiscalização e controle do sistema de transporte público coletivo do DF. Com a licitação em curso que vai dividir o DF em cinco bacias, as empresas do Grupo Amaral ainda não conseguiram vencer nenhum trecho. Devem ficar fora da operação.
No ano passado, Amaral teve parte dos bens bloqueados pelo Tribunal de Justiça do DF em decorrência de uma briga pela dissolução societária de 11 empresas do Grupo. Entre os bens tornados indisponíveis estavam uma Ferrari Califórnia, um Porsche Panamera S, um helicóptero Eurocopter EC-120 Colibri, um Lamborghini Gallardo e um apartamento de 160 metros quadrados no Setor Sudoeste.