Com metade do corpo para fora da janela, o cobrador da Kombi, linha Penha-Cascadura, anuncia a plenos pulmões, no ponto de ônibus em frente ao NorteShopping, em Del Castilho: "Penha, estação de Cascadura, Suburbana direto, Igreja Mundial da Fé é R$ 2, hein". Um vez embarcado, quase sempre não há como optar pela viagem sem emoção. Ao passageiro resta só uma alternativa: rezar para chegar. Alta velocidade, superlotação, veículos sem ar-condicionado e em péssimas condições são apenas alguns itens que, necessariamente, fazem parte do pacote disponível em muitos dos seis mil veículos de transporte alternativo da cidade do Rio.
Não por acaso, as vans possuem tetos cada vez mais altos. No fim da tarde da última quinta-feira, um veículo da linha Gávea-Rio das Pedras, com capacidade para 15 pessoas (todas sentadas, já que é proibido transportar gente em pé), viajou da Avenida das Américas, altura do Jardim Oceânico, até o Rio das Pedras, levando oito passageiros e o cobrador em pé, além de estar com todos os bancos ocupados. Num exercício de contorcionismo e desafio às leis da física, quem não estava sentado sequer conseguia mexer o braço. No painel do veículo, um adesivo dava o tom do momento: "A maior qualidade do vencedor é não desistir nunca".
— Mas isso está sempre cheio assim, meu Deus? O que é isso? — queixou-se uma passageira para a cobradora, que emendou, rindo:
— É porque botei você aqui dentro, que é pé quente, minha joia rara.
Valor da tarifa varia de R$ 2 a R$ 5
A informalidade no tratamento é regra de convivência no transporte alternativo. Sem nenhuma cerimônia, motoristas e cobradores contam com a compreensão de quem paga a passagem, cujos valores variam de acordo com o itinerário — a maioria, porém, custa de R$ 2 a R$ 5. Longas esperas por passageiros nos pontos são comuns. Às vezes, chegam a 10 minutos. Reclamações, só pelo telefone da prefeitura (1746), gravado na parte traseira desses coletivos.
Um incauto senhor embarcou numa van, que saiu da Praça Seca rumo à Leopoldina, reclamando do que ouviu num outro veículo.
— O cara (motorista) veio me dizer para sentar lá atrás, todo apertado, só para ir com mais espaço na frente, ao lado de uma gatinha — esbravejou, antes de ser interrompido pelo toque do seu celular, que soava o "Bolero de Ravel".
Sem saber que estava falando com um repórter, a cobradora da linha Gávea-Rio das Pedras, a da "joia rara", comemorava a superlotação e explicava a receita do sucesso:
— Carregamos 30 (pessoas) só nessa viagem, bebê. De cada seis viagens que fazemos por dia, uma ou duas são boas assim. O resto é cheio de chiclete, passageiro que senta e só desce no ponto final. Em pé, dá para levar três ou quatro, normalmente, e cinco ou seis, quando são magrinhos. Mas o pessoal já me conhece, porque eu trato todo mundo bem, e aceita vir apertadinho. "Nego" se vira.
O desconforto, em alguns momentos, é o menor dos problemas. Mesmo quando, nos veículos lotados e sem ar condicionado, as poucas brisas vindas das janelas chegam como um sopro divino de sobrevivência. O desrespeito às leis de trânsito, se não incomoda a todos, ameaça quem está dentro das vans e kombis. Trafegar com a porta aberta e ignorar os locais onde é permitido o embarque de passageiros são hábitos corriqueiros. Para boa parte dos motoristas, ponto é onde tem pedestre, independentemente se há área de recuo.
— Alô, "Rabugento", para ali na frente que (o passageiro) vai descer na esquina do lava-jato — avisou o cobrador de uma van da linha Cascadura-Oswaldo Cruz, antes de chegar a uma esquina em que não havia ponto, em Oswaldo Cruz.
Pouco à frente, com o veículo parado num ponto de ônibus, ele tentou convencer uma menina a subir na van:
— Oswaldo Cruz, vai? Para você, eu nem cobro passagem, coisa linda.
A alta velocidade assusta, principalmente em vias expressas. A mesma van Gávea-Rio das Pedras, que transportou 30 pessoas numa viagem, tem 89 multas pendentes, só com o município, segundo o site da prefeitura. Outra, que percorre o itinerário Castelo-Ilha do Governador, chegou a 95km/h na Linha Vermelha — onde a velocidade máxima permitida é de 90km/h —, às 16h30m da última quarta-feira, costurando entre os carros. Antes de chegar à Ilha, o motoristas avisou pelo rádio a um colega para evitar passar em frente ao Casa Show, onde, segundo ele, estava "rolando uma operação de fiscais". Só no site da prefeitura, constam 40 infrações não pagas pelo proprietário do veículo.
O motorista da Kombi Penha-Cascadura avançou dois sinais, entre 16h15m e 16h37m, da terça-feira passada, na movimentada Avenida Dom Hélder Câmara. À medida que eles aceleram, cresce a fé de quem está nos bancos de trás.
Os riscos, em alguns casos, extravasam para além das vans. Às 18h20m da última terça-feira, o motoristas de uma delas, que seguia para o Mercadão de Madureira, desembarcou no meio da pista de rolamento e partiu enfurecido em direção a um Fiat Palio prata, na Rua Cândido Benício, em Jacarepaguá. Enquanto seus passageiros aguardavam, ele ameaçou o motorista do Palio, antes de chutar e socar o carro, que saiu com a porta traseira direita amassada.
Cobrador imita barulho de sirene em engarrafamento
O motorista de um exemplar da linha Bancários-Bonsucesso, cuja principal peculiaridade do veículo era um pequeno ventilador precariamente preso ao teto, trafegou cerca de 200 metros na contramão de uma rua no bairro de Tauá, na Ilha. Freou bruscamente, próximo a uma esquina. Diante de um engarrafamento que não abria possibilidades de passagem, o cobrador entrou em ação. Com a cabeça para fora da janela, se empenhava para emitir o som semelhante a de uma sirene. Quando o motorista freou de repente, mais uma vez, uma pedestre atravessou, e o cobrador gritou em sua direção:
— Sai da frente, "tranca-rua"!
As desventuras vividas no transporte alternativo, que pela ineficiência do sistema de ônibus é a única opção para muitos cariocas, não são compensadas com desconto. Um adesivo deixava isso claro numa van Pilares-Leopoldina: "Tarifa: R$ 3 / Carona: R$ 3 / Daqui até ali: R$ 3 / Só até o sinal: R$ 3". Com emoção.