No dia 3 de junho, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) concedeu cautelar para a Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) suspendendo a licitação dos ônibus de Porto Alegre. No mesmo dia, após decisão da Justiça, a prefeitura obteve autorização para receber as propostas dos empresários. Entretanto, a concorrência foi deserta, sem nenhum interessado. Atualmente, outro edital está sendo elaborado com o objetivo de sanar os problemas contidos no anterior. A nova licitação, que deve ser lançada em setembro, será a primeira da história do transporte coletivo da Capital desde a década de 1920, quando foi autorizada a operação de ônibus. Em entrevista ao Jornal do Comércio, o auditor externo do TCE Airton Roberto Rehbein explica quais são as atuais inseguranças dos empresários que podem vir a operar o sistema.
Jornal do Comércio - Antes da abertura das propostas para a operação do sistema de transporte coletivo, o TCE suspendeu o edital. Quais falhas motivaram essa decisão?
Airton Roberto Rehbein - Essa decisão compete ao relator do processo. O processo do edital é de inspeção especial, que é realizada por um gabinete. O conselheiro recebeu solicitações por parte dos empresários e vereadores para que fosse analisada a possibilidade de medida protetiva e que o processo fosse interrompido. Isso aconteceu bem no prazo para a abertura das propostas. O principal motivo da emissão desta cautelar foi a necessidade de mais informações referentes ao sistema BRT e ao metrô. Com o ingresso desses modais, existirá uma mudança na mobilidade e isso impacta nos operadores. Eles alegaram que estavam entrando em uma situação atual que pode ser bem diferente no futuro. No final, a licitação teve prosseguimento, mas foi deserta. O trabalho do TCE é fiscalizar o contrato.
JC - O que está sendo feito neste momento para eliminar as dúvidas dos empresários e para que a próxima licitação não seja deserta?
Rehbein - O Ministério Público do Estado, através da vara da fazenda pública, entrou com um pedido no tribunal para que se desse um prazo para ajustar o edital. A Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) já procurou o TCE para tratar da situação. Inclusive, quando houve a cautelar, a EPTC tinha dez dias para prestar esclarecimentos para o conselheiro, e isso deve ter sido feito. Então, se espera que a empresa faça ajustes pontuais no edital, pois eles têm conhecimento dessas dúvidas. Provavelmente, será necessário colocar mais informações sobre o futuro do sistema e isso é feito com premissas que preveem um cenário. Só que essas premissas são possibilidades. A segurança jurídica de proteção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, em tese, o edital concebe pequenas pílulas para isso. Quando entrar o BRT, está previsto que será feita uma revisão da operação e da tarifa. Da mesma forma o metrô, que tem impacto para a zona Norte. Então, a redução da bacia de ônibus será de até 60%. O edital prevê uma revisão.
JC - O ingresso destes dois novos modais trará déficit aos empresários?
Rehbein - Os empresários precisarão interagir com a prefeitura sobre a realização de uma preparação para estas mudanças. Isso terá que ocorrer de uma forma inteligente e com planejamento, pois dois terços do sistema encolherão. Entretanto, até entrar a operação do metrô, por exemplo, a tarifa estará remunerando aquele ativo e também devolvendo a perda de valor pela depreciação. No momento da transição, será necessário encontrar um local para colocar essa frota excedente. Por exemplo, se trabalha com 500 ônibus na zona Norte e, com a mudança, passará para 200 ônibus em operação. Então, 300 ônibus precisarão ser recolocados. Isso pode acontecer entre as outras bacias, assim como essa frota tem um valor de mercado no Interior ou transporte escolar. O empresário vai procurar alternativas para isso. O edital não fala nesse momento em indenização, mas a história nos ensina que o empresário do setor sabe os meios, muito mais do que a prefeitura.
JC - A melhora na qualidade do transporte que é proposta no edital deve impactar na tarifa?
Rehbein - O edital está propondo o que tem de melhor na área, que é toda a frota com ar-condicionado, a operação monitorada por GPS, o número de pessoas por metro quadrado foi reduzido, entre outros. Esse é um dos motivos para que o empresariado ache que não consegue operar com a tarifa-teto atual, de R$ 2,95. Está previsto também que, na medida em que o sistema for incorporando esses itens, porque existem metas para serem alcançadas ao longo do tempo, a carga de custos será dosada. Paulatinamente, haverá uma devolução desses custos ao empresário através da tarifa. O que pode ocorrer é que se constate que é impossível operar com todas essas medidas de qualidade mesmo com uma tarifa revisada. Se acontecer de se chegar a uma fronteira dessas, ou o poder público entra com subsídios ou será necessária uma repactuação contratual para manter a operação. Só para se ter uma ideia, se a prefeitura arcasse com todo o sistema, o custo seria de no mínimo R$ 1 bilhão por ano. São Paulo está represando a tarifa há cinco anos, e isso está custando quase R$ 2 bilhões por ano. Contudo, em Florianópolis, onde foi feita a licitação com esses mesmos itens de qualidade, a tarifa foi reduzida. Isso porque encontrou subsídio da prefeitura, que também passou a arcar com as gratuidades, o que é o mais justo com a população.
JC - A prefeitura está ciente de que talvez essa equação não feche?
Rehbein - A prefeitura sabe disso. Contudo, podemos analisar também que ela já subsidia o transporte, pois a Carris não está se sustentando. Neste ano, serão investidos cerca de R$ 40 milhões na empresa.
JC - Os atuais empresários levantaram a possibilidade de pedir indenização da prefeitura pelos investimentos feitos ao longo dos anos. Isso é viável?
Rehbein - Todo o status anterior não está amparado por contrato. Contudo, se eles vierem a perder a licitação, o que possuem de ativos principais, que são os ônibus, entra praticamente na mesma lógica do que o edital prevê com a entrada do BRT e do metrô. É lógico que eles farão a defesa deles e a Justiça irá decidir. Nós já ouvimos que a prefeitura entende que não é devida nenhuma indenização.
JC - As empresas que atuarão após a licitação terão lucro menor que as atuais?
Rehbein - Mesmo sem a existência hoje de contrato com as empresas, o sistema é bem organizado em termos de tarifa. O que o TCE fez, suprimindo R$ 0,25 centavo da tarifa, foi avaliar que a metodologia da revisão tarifária precisava ser modificada. Com essa mudança, a passagem ficou mais justa, mas reduziu a margem de lucro dos empresários. Nesse edital, se manteve uma taxa interna de retorno para o empresário de 7,5% e sempre protegendo isso. O TCE só interfere nessa questão quando existem casos evidentes de lucros exorbitantes.
Por Jessica Gustafson
Informações: Jornal do Comércio