Eu tenho o direito de andar nos transportes coletivos urbanos de graça. Agradeço por este beneficio estabelecido pelo Congresso e incluído na Constituição. O idoso, ao se aposentar, vê reduzida sua renda e limitada sua vida social. A gratuidade nos transportes contrabalança a tendência de afastamento dos amigos, de familiares e das atividades de recreação. Entretanto preocupa-me a forma como este direito está garantido que o tornará iníquo no longo prazo. Sendo um direito autoaplicável, a forma mais prática encontrada para o seu cumprimento foi permitir que viajássemos nos ônibus de muitas cidades no espaço anterior ao posto de cobrança dentro do veículo. Somos obrigados a ficar aglomerados, muitas vezes em pé e atrapalhando os demais passageiros. E ainda temos que descer pela porta de entrada, o que acarreta riscos. E mais, os motoristas nos vêm como estorvo e chegam a evitar nos acolher nos pontos de parada.
Para agravar tudo isso, há a recente e acelerada tendência de envelhecimento da população brasileira que fará que cada vez mais idosos usem os transportes coletivos. Em decorrência a redução de receita destes serviços contribuirá para a elevação da tarifa dos demais passageiros que pagam. Por ser um serviço concedido, as gratuidades e abatimentos são então compensados mediante o aumento das tarifas para os demais passageiros. Isto, por sua vez, leva aos passageiros pagantes a abandonarem o uso dos ônibus por outros meios de transporte mais baratos como carros velhos, lotações clandestinos ou mesmo andar muito a pé. A condução por ônibus, assim, estará condenada ao colapso nas grandes cidades. Mas esta ameaça não é percebida nem pelos legisladores e nem mesmo pela própria população.
No meu caso pessoal, como continuo trabalhando, tenho meios para pagar por qualquer modalidade de transporte coletivo. Mas vejo com apreensão a tendência à insolvência destes serviços, porque as atividades econômicas e sociais nos grandes centros urbanos necessitam, para que a vida urbana possa funcionar convenientemente, de que exista uma ampla rede de linhas de ônibus nas cidades. Por esta razão peço aos senhores congressistas que regulamentem este direito que nos foi dado, mas que na prática não estará sendo garantido. Como, hoje, basta apresentar a carteira de identidade para utilizar os serviços de transporte público, os agentes que controlam a apresentação ficam sobrecarregados de trabalho. Além disso, as autoridades públicas não sabem quanto as empresas de transporte deveriam ser compensadas pela prestação destes serviços e estes, por perderem remuneração, tendem a se degradar.
A Constituição Brasileira estabelece que a proteção do idoso é dever da Família, do Estado e da Sociedade. Isto significa que a cobertura do custo das passagens dos idosos não deveria ser feita, na sua totalidade, pelos demais passageiros. Mas, da forma como está organizado o controle da prestação deste benefício, não é possível atribuir tais obrigações ao Governo porque o uso do transporte coletivo pelos idosos nas cidades não pode ser adequadamente conhecido da forma como está organizado. É preciso que a regulamentação deste direito venha nos garantir o uso dos serviços de ônibus e demais meios de transporte público mediante o uso de bilhetes credenciados como os demais cidadãos, nas cidades onde já exista implantado um sistema organizado de tarifa eletrônica.
Rogério Belda foi o primeiro diretor executivo da ANTP; ex-Diretor de Planejamento do Metrô de São Paulo; atual membro do Conselho Diretor da ANTP.
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