Moradora da periferia de Johanesburgo, maior cidade da África do Sul, Yvonne Raedane diz não se importar "nem um pouco" com futebol. Mas questionada se sediar a Copa do Mundo de 2010 foi um bom negócio, ela diz: "Para mim, foi claramente um bom negócio".
Raedane se refere às melhorias feitas no transporte público de Joanesburgo na véspera do Mundial, que surtiram grande efeito em sua rotina.
Pouco antes do torneio, o governo local inaugurou os primeiros trechos de um sistema de corredores de ônibus (BRT) e de um trem de alta velocidade.
Numa cidade sufocada pelo trânsito e em que, até então, a maioria dos moradores dependia de carros ou lotações para se deslocar, os investimentos tiveram um impacto sensível.
A postura de Joanesburgo contrasta com a da maioria das cidades brasileiras que sediarão jogos da Copa, onde grande parte das obras em transporte público planejadas para o evento foi abandonada ou não será entregue a tempo.
Curitiba
Após o Mundial, Raedane trocou as lotações pelo novo sistema de ônibus no trajeto para seu trabalho, no centro de Joanesburgo. Ela diz que, nas vans, o percurso levava até uma hora e 45 minutos. Agora, leva no máximo 45 minutos.
O sistema é semelhante ao de Curitiba, elogiado por especialistas em transporte público do Brasil e exterior.
Os ônibus trafegam em corredores exclusivos, e os passageiros pagam ao entrar na estação (e não no ônibus), com cartões eletrônicos. Uma vez no sistema, eles podem fazer baldeações sem passar por outras catracas. O preço da corrida depende da distância percorrida.
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Além de economizar tempo, Raedane diz gastar menos com a nova rede de transporte, batizada de Rea Vaya ("estamos indo", num linguajar que mistura vários idiomas sul-africanos). Ela afirma ainda se sentir mais segura.
"Mesmo quando o ônibus está cheio e tenho de ficar em pé até o destino, não me preocupo. Já os motoristas das vans estão sempre agitados, você nunca tem certeza se vai sair de casa e voltar num caixão", diz a sul-africana, que é gerente de uma orquestra infantil.
Segundo a concessionária do sistema de BRT, 307 mil pessoas usaram os ônibus durante a Copa de 2010. O governo local havia anunciado que entregaria cerca de 43 quilômetros de corredores antes do evento.
No entanto, só ficou pronta uma rota de 25 quilômetros entre as duas áreas com os estádios usados na Copa, do centro de Joanesburgo ao município vizinho de Soweto.
Os 18 quilômetros restantes só foram concluídos neste ano. Há planos para expandir o sistema nos próximos anos.
Aeroporto
Além dos corredores de ônibus, Joanesburgo inaugurou logo antes da Copa o Gautrain, um trem de alta velocidade até seu aeroporto. A obra custou US$ 3 bilhões (R$ 6,66 bilhões).
Ainda que tenha sido projetado antes do anúncio de que a África do Sul sediaria a Copa, a obra foi apressada para que seu primeiro trecho fosse concluído antes do torneio. Com isso, muitos moradores passaram a associar a construção do trem ao Mundial.
Assim como o sistema de corredores de ônibus, o Gautrain continuou a se expandir após a Copa. A linha agora chega até o município vizinho de Pretória.
A expansão favoreceu o estudante Emile van den Berg, que mora em Joanesburgo e usa o trem diariamente para ir à universidade em Pretória.
Antes do sistema, por causa do trânsito, ele tinha de morar em Pretória. "Agora posso morar com meus pais (em Joanesburgo) e economizar".
No entanto, o Gautrain é um sistema caro: os bilhetes custam entre R$ 26 e R$30.
"Precisamos de alternativas mais econômicas de transporte", diz o contador namibiano Nicky Mutenda, que também usa o trem diariamente. "Muito poucos sul-africanos podem pagar para estar aqui."
Mesmo assim, ele acha que o investimento inaugurou uma nova etapa na relação de Joanesburgo com o transporte público - investir no setor, diz ele, passou a ser considerado uma prioridade mesmo por sul-africanos ricos, que até então só se deslocavam de carro mas ficaram encantados com o trem.
Para Mutenda, a Copa também fez com que as autoridades sul-africanas dessem mais importância para o tema.
Desequilíbrio
Há ainda, entre alguns moradores entrevistados, a percepção de que o planejamento para a Copa de 2010 favoreceu especialmente Joanesburgo em detrimento de outras regiões do país.
Nenhuma das outras oito cidades a sediar jogos do Mundial implantou sistemas do porte do Gautrain ou do Rea Vaya.
"A Copa foi boa para Joanesburgo, mas não necessariamente para a África do Sul toda", diz a gerente de orquestra Yvonne Raedane.
"Nós ganhamos mais que o resto do país", avalia.
Informações: BBC Brasil
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