Conciliar o transporte de cargas e de passageiros nas grandes metrópoles é um desafio mundial. Quilômetros de engarrafamentos são constatados nas mais diferentes regiões do planeta, gerando desconforto para população e prejuízo para todos os envolvidos. Para modificar esse cenário, o Brasil tem buscado experiências internacionais de solução para o controle de tráfego pesado nas vias urbanas.
Seul, capital sul-coreana com 23 milhões de habitantes em sua área metropolitana, é apontada por especialistas como um exemplo profícuo. A partir de 2002, o governo local passou a adotar medidas em favor da utilização de ônibus e metrô na cidade e conseguiu reduzir drasticamente o fluxo de trânsito, além de garantir melhorias na qualidade do ar e redução do gasto de energia.
Em um momento no qual São Paulo, a principal metrópole brasileira, se depara com a polêmica decisão da administração municipal de manter um
rodízio de caminhões em algumas das suas principais vias, o exemplo do país asiático foi debatido em pleno território paulistano. Para apresentar em detalhes o sucesso da experiência de Seul, o diretor do Departamento de Trânsito Urbano do Instituto de Desenvolvimento de Seul, Gyengchul Kim, esteve no Brasil no começo deste mês de setembro. Ele foi um dos protagonistas da
14ª Semana de Teconologia Metroferroviária, atraindo atenção para as iniciativas tomadas pelo governo sul-coreano.
Em coletiva à imprensa, o executivo avaliou que a melhoria do fluxo do transporte de cargas passa pela proibição da circulação destes equipamentos na região central das metrópoles, pela construção de vias específicas para o tráfego pesado e pelo incentivo ao transporte público de massa, visando reduzir a quantidade de automóveis nas vias públicas.
Kim ressaltou, em diversas oportunidades, que a população das grandes cidades precisa se conscientizar no sentido de utilizar o transporte público. A mudança de comportamento entre os cidadãos de Seul garantiu, conforme lembrou, redução no tempo de locomoção dos moradores e das cargas, além de economia de recursos essenciais como combustíveis e energia elétrica. No entanto, para que isso ocorra em outros locais, o diretor afirmou que o governo precisa melhorar as condições do transporte de massa e dar o exemplo realizando uma campanha social como a de Seul, em que as autoridades, com exceção do prefeito e do vice-prefeito, utilizam apenas metrô e ônibus todas as segundas-feiras, de forma a estimular o uso consciente da população.
A opção por proibir o transporte de carga nos grandes centros urbanos, de acordo com Kim, é essencial, pois a frota brasileira de caminhões, hoje bastante desgastada, traz “caos e poluição por onde passa”. “Assim, se investirmos em transporte público, os carros que não circularem irão liberar as grandes avenidas para os caminhões passarem”.
A construção de alternativas como o Rodoanel, que irá ligar as principais rodovias do núcleo central da Região Metropolitana de São Paulo, é vista com bons olhos pelo sul-coreano. Ele disse à reportagem de PortoGente que agilizar esse tipo de via específica irá garantir um escoamento mais eficaz das cargas até os portos e aeroportos mais movimentados do principal pólo econômico do País.
Para o executivo, é importante fiscalizar adequadamente toda a frota de veículos pesados para garantir o sucesso das medidas implantadas pelo governo. Em Seul, explicou, os caminhões somente são licenciados caso sejam instalados filtros específicos para o diesel, garantindo menor emissão de gases do efeito estufa no ambiente das cidades. Já a frota de ônibus da capital sul-coreana, apontou Kim, é toda composta por veículos movidos a gás natural.
De acordo com o sul-coreano, o incentivo ao transporte público se deu por meio da utilização de cartões pré-pago e de crédito para pagamento das tarifas, da diminuição de locais para estacionamento de carros, do aumento de faixas para pedestres e da fiscalização mais intensa para carros que estacionam em locais proibidos, com o valor das multas revertido para melhorias no transporte público.
O grande desafio, segundo ele, foi conscientizar a classe média e alta a utilizar o transporte público. “Muita gente nunca tinha entrado em ônibus”. Outro grande obstáculo foi mudar a cultura dos sul-coreanos quanto a onde parar os seus veículos. “Começamos a fazer uma fiscalização rigorosa do estacionamento de carros em locais proibidos. As pessoas estacionavam em qualquer local porque já não havia lugar para parar os automóveis”.
O caso mais emblemático da requalificação urbana de Seul foi a destruição do viaduto de Cheonggyecheon. Em lugar da obra sobre o canal, que cortava a cidade por 15 quilômetros, iniciou-se a revitalização de um antigo rio e de um parque para recreação.
A destruição do viaduto de Cheonggyecheon e a revitalização
da área mudaram a cara da capital sul-coreana
Metrôs e ônibus correspondem hoje por 60% do transporte de Seul. A meta da administração local é de que, até 2021, esse valor chegue a 70%. Atualmente, a região metropolitana da capital da Coréia do Sul, que possui 24,1 milhões de pessoas, conta com 287 quilômetros de metrô, enquanto São Paulo convive apenas com 60 quilômetros.
“Nas minhas visitas [a outros países], carrego o vírus da conscientização para que as pessoas passem adiante pensando no desenvolvimento coletivo”, finalizou Kim, que disse esperar que na próxima visita a São Paulo encontrar um município mais bem resolvido com suas políticas de transporte e com as restrições feitas ao tráfego pesado.