A “análise criteriosa” que a Comissão de Licitação havia anunciado na segunda-feira, durante a apresentação dos envelopes, não passou de encenação. A convocação de técnicos para reforçar o trabalho dos quatro integrantes da Comissão no exame dos documentos apresentados pela Andrade Gutierrez, conforme fora prometido, sequer aconteceu. Na verdade, não havia o que analisar, pois a construtora paulista, sozinha na parada, já havia sido considerada habilitada por ter “atendido na íntegra” todas as exigências do edital, segundo palavras da presidente da Comissão, Suely Costa Lima de Melo.
Restou a Suely perguntar aos representantes da construtora, Edson Evangelista Marinho Filho e Edivaldo Corrêa Carvalho, seguindo o rito do edital, se eles iriam interpor algum recurso ou se manifestar a respeito da documentação de habilitação, mas ambos, é claro, informaram que não. A seguir, ela abriu o envelope contendo o preço da Andrade Gutierrez para fazer a obra. Não houve nenhum problema, como era esperado.
Para ajustar-se ao menor preço, exigido pelo edital, a empresa decidiu reduzir em R$ 5 milhões o valor total do serviço. O que era R$ 396.544.112,22, acabou reduzido para R$ 391.949.071,08. O menor preço da Andrade Gutierrez, no frigir do omelete, ficou em R$ 4,6 milhões. A prefeitura deve um esclarecimento: no pedido aprovado às pressas pela base política aliada do prefeito Duciomar Costa é dito que a obra custará R$ 430 milhões. Será que isso já inclui o valor das desapropriações, o que não aparece no edital?
MENSAGEM
Das 30 empresas que compraram o edital, 19 restaram na concorrência, mas 18 decidiram abandoná-la, denunciando a existência de direcionamento para favorecer a construtora favorita do prefeito Duciomar Costa. O projeto que será executado num trecho de 20 km entre a entrada do distrito de Icoaraci e o bairro de São Brás, em Belém, envolve terraplenagem, pavimentação, obras de arte especiais, estações e terminais de passageiros e urbanização.
No dia 27 passado, o DIÁRIO antecipou em uma mensagem cifrada, na página 14 do caderno de classificados Tem!, que a Andrade Gutierrez sairia vencedora, como foi confirmado, do edital da prefeitura. Sob o título “Por uma Graça Alcançada”, o texto dizia: “A fé alavanca as grandes obras do Senhor. DC ouviu tuas preces. AG, és a vencedora. Juntos, agora, multiplicaremos o pão nosso de cada dia. Feliz 02/01/2012. PB”.
MPF ANALISA EDITAL
O chefe do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, Ubiratan Cazetta, informou que o edital da prefeitura está sob análise do órgão, assim como outros documentos, para que uma ação rigorosa seja tomada. Na próxima segunda-feira o MPF escolherá o procurador que vai atuar no caso. O trabalho preliminar que está sendo feito, segundo Cazetta, visa identificar a origem dos recursos para a obra e se estão sendo cumpridas as condicionantes para um empreendimento desse porte, que mexerá com os interesses de 600 mil pessoas.
“Queremos saber se a fonte desses recursos é federal e se envolve também financiamento internacional”, explicou o procurador da República. Ele já observou que, no edital, a parte que trata de recursos estabelece as regras em que o dinheiro será gasto, mas é preciso saber de onde virá o dinheiro.
Para Cazetta, é pouco provável que a prefeitura disponha de verba própria para bancar parte da obra. “Pode ser que haja recursos internacionais do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) ou mesmo que tudo seja do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), resumiu, acrescentando ainda não dispor dessas informações.
O procurador disse que o fato de a concorrência pública também usar a denominação de internacional pode ensejar duas interpretações: a primeira teria o sentido de excluir eventuais empresas concorrentes que não teriam condições de fazer a obra por não cumprir as exigências. A segunda interpretação é de que também ela pode ter sido feita com essa denominação porque já existiria uma espécie de pré-contrato da prefeitura ou do Ministério das Cidades, que apoia o projeto da prefeitura, com alguma instituição financeira internacional.
Como o projeto é nebuloso e não identifica as fontes de despesa, Cazetta admite que tudo só ficará mais claro depois que o MPF fizer uma “checagem completa”, para depois decidir qual o caminho legal a tomar. A possibilidade maior é de uma ação para anular o edital.
ENTENDA - O QUE É O BRT?
O BRT é um sistema de ônibus sobre trilhos de alta capacidade, utilizado em mais de 20 países em todos os continentes, concebido para servir pelo menos 45 mil passageiros por hora.
ONDE FUNCIONARÁ?
O projeto será executado num trecho de 20 quilômetros entre a entrada do distrito de Icoaraci e o bairro de São Brás, em Belém.
TCM vai pedir hoje documentos à PMB
O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará (TCM/PA) informou ontem que uma comissão de técnicos do tribunal está analisando o edital de licitação da Prefeitura de Belém para a obra do BRT, no valor total de R$ 430 milhões. Segundo o conselheiro Cezar Colares, corregedor do TCM, o tribunal já estava atento ao edital devido ao alto valor, mas com a repercussão na mídia de denúncias de possíveis irregularidades no processo licitatório, reforçado com o pedido de anulação do edital protocolado no tribunal pelo vereador Carlos Augusto Barbosa nesta quarta-feira (04), o TCM passa a dar prioridade ao caso.
O conselheiro Cezar Colares informou que a comissão do TCM irá, possivelmente nesta sexta-feira, até a Prefeitura de Belém requisitar cópias de documentos do processo licitatório para que seja procedida uma análise técnica sobre os aspectos legais da licitação em andamento. Ele acredita que dentro de uma semana seja possível o TCM emitir um parecer sobre a legalidade ou a ocorrência de possíveis irregularidades ou falhas no processo licitatório.
O conselheiro Cezar Colares esclareceu que o trâmite normal é o jurisdicionado proceder à licitação e após o processo concluído submeter o contrato com o vencedor para análise e cadastramento pelo Tribunal.
Vereador diz que pedirá CPI no caso
O vereador José Scaff criticou ontem a forma como o prefeito Duciomar Costa obteve autorização da Câmara Municipal para obter o financiamento do projeto do BRT. Ele afirma que o prefeito, utilizando-se do conhecido rolo compressor de partidos aliados, fez a matéria ser votada às pressas sem passar pelas comissões de Obras e Transporte, que Scaff preside. “Fazer isso eles, não podiam, mas fizeram, na marra”, afirmou.
Os métodos pouco ortodoxos de Duciomar Costa no tratamento que dispensa ao poder legislativo, na avaliação do edil, é uma rotina. Outros projetos de interesse do prefeito seguem sempre o ritual de ir a plenário sem tramitar pelas comissões da Casa.
A repercussão do caso BRT junto à opinião pública levou o vereador a adiantar que pedirá a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), após o recesso parlamentar, para passar a questão a limpo, investigando todas as irregularidades que foram denunciadas à Justiça pelas empresas que participaram do edital da prefeitura. Para que uma CPI seja aberta é necessário que haja um fato determinado. Para Scaff, esse fato já existe, é público e precisa ser apurado.
Como integrante da bancada do PMDB na Câmara Municipal, Scaff observa que antes de fazer o pedido irá consultar os dirigentes de seu partido, o senador Jader Barbalho, presidente de honra, e o presidente do Diretório Municipal de Belém, o deputado federal José Priante. “Se eles autorizarem, nós ingressaremos com o requerimento para a formação dessa CPI”. O vereador acredita que a ideia seria encampada pelos partidos que fazem oposição ao prefeito.
JUSTIÇA
Ao comentar a nota oficial da PMB publicada ontem no DIÁRIO, Scaff chamou a atenção para um fato que considera gracioso. “O prefeito Duciomar reclama daqueles que cobram celeridade da Justiça, mas o que ele não diz é que a Justiça é morosa quando interessa a ele, como no caso do pedido de cassação do mandato por crimes eleitorais, que se arrasta há anos, mas é rápida também quando é para atender os interesses dele, como ocorre na abertura do edital do BRT”.
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