O novo modelo para a concessão das ligações interestaduais de ônibus, um setor que fatura R$ 4 bilhões por ano e funciona sob regime de autorização especial desde 2008, será apresentado hoje pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com 1.967 linhas e redução das tarifas em 51 dos 60 lotes em que elas foram divididas. Haverá metas de desempenho na prestação do serviço, todos os bilhetes terão código de barras, rastreadores eletrônicos controlarão a pontualidade dos ônibus e a idade máxima da frota será de dez anos. A redistribuição das linhas provocará um enxugamento no número de transportadoras - hoje são 253 - e trará ganhos de escala para quem permanecer no mercado.
"Vamos exigir a renovação da frota de ônibus, criar instrumentos de controle operacional dos serviços e melhorar o atendimento aos passageiros", disse o diretor-geral da ANTT, Bernardo Figueiredo. O plano de outorgas ficará em consulta pública até 12 de setembro. A licitação deverá ocorrer no início de 2012, atendendo às exigências do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério Público Federal (MPF), que reclamam da falta de regulação sobre o setor.
Hoje o país tem 2.412 linhas interestaduais com trajeto superior a 75 quilômetros. Com base em um estudo feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), houve uma redução para 1.967 linhas. Elas foram divididas em 60 lotes, menos de metade dos 125 que haviam sido definidos no primeiro plano de outorgas, divulgado em março de 2009 e suspenso por iniciativa de Figueiredo, ao assumir a chefia da agência, para uma revisão completa dos estudos que iam balizar a licitação.
Rotas privilegiadas, como aquelas entre grandes capitais, serão licitadas em pacotes que incluirão ligações entre municípios menores, para manter uma espécie de subsídio cruzado. Os lotes foram divididos em 18 grupos, em um mapa que busca privilegiar operações integradas e ganhos de escala, segundo a ANTT. Esse redesenho aumentará a concorrência em linhas como a Rio-São Paulo, que passará a contar com cinco empresas em vez de quatro, e levará o serviço de ônibus interestaduais a 34 municípios desatendidos atualmente, como Garopaba (SC) e Nova Serrana (MG). Cada transportadora não poderá arrematar mais do que um lote por grupo, mas está autorizada a formar consórcios. Ou seja, as empresas poderão se juntar para dividir entre si as linhas de um mesmo lote, respeitando certos critérios.
Apenas quatro ligações funcionarão com cinco empresas competindo entre si, o número máximo de operadoras: Rio-São Paulo (via Duque de Caxias e via São Caetano do Sul), São Paulo-Curitiba e São Paulo-Belo Horizonte. Outras cinco terão quatro concorrentes: São Paulo-Vitória da Conquista (via Medina), São Paulo-Florianópolis (via Santos), Brasília-Goiânia, Brasília-São Paulo (via Ribeirão Preto) e Rio-Belo Horizonte.
"O filé mignon foi dividido em partes iguais", diz Sônia Haddad, superintendente de serviços terrestres da ANTT, referindo-se à distribuição das linhas pelos 18 grupos. Em um cálculo que tomou por base o atendimento da demanda nos períodos mais pesados do ano, a agência exigirá das empresas uma frota operacional de 6.152 ônibus, com 639 veículos de reserva. Como parte da frota será usada em viagens fretadas, principalmente durante a baixa temporada, o novo modelo prevê um redutor de 0,8% das tarifas. A área técnica encontrou esse percentual como forma de capturar parcialmente as receitas das empresas com fretamento, publicidade e transporte de encomendas - revertendo-as em benefício dos passageiros.
Despesas com pessoal e combustíveis também são considerados. A tarifa média cobrada hoje é de R$ 0,122 por quilômetro. Cerca de 85% dos passageiros serão beneficiados com queda das tarifas, que chegarão a R$ 0,096 no lote mais barato. Nove dos 60 lotes, localizados principalmente nas regiões Sul e Sudeste, terão aumento. No máximo, a tarifa alcançará R$ 0,126 por quilômetro, mas ainda poderá diminuir, dependendo dos deságios na licitação.
A Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), que se dizia preocupada com as novas regras, preferiu não dar entrevista. Um dos pontos criticados pela entidade no primeiro modelo era o fato de que a ANTT considerava um intervalo de apenas uma hora entre o desembarque de passageiros e um novo embarque para fazer outra viagem, inflando artificialmente o tempo em que os ônibus ficam rodando na estrada. A Abrati pedia três horas. No fim, um período de duas horas foi adotado.
Ao longo dos novos contratos, que valerão por 15 anos (não renováveis), as empresas ficarão submetidas a metas de desempenho e qualidade hoje inexistentes. Para ajudar no controle, rastreadores eletrônicos instalados nos ônibus vão informar a pontualidade e a regularidade do serviço. Além da exigência de que nenhum veículo tenha mais de dez anos, a média de idade da frota de cada empresa deverá permanecer sempre em cinco anos. "É a nossa chance de modernizar o sistema de transporte rodoviário interestadual de passageiros", acredita Figueiredo.
Antecipando-se às críticas sobre a concentração do setor, a agência lembra que o mercado é dominado por poucas operadoras. Cerca de 50% da demanda é atendida por 25 empresas. Muitas fazem apenas uma ligação interestadual, dedicando-se sobretudo a atividades urbanas ou semiurbanas. A tendência, com as mudanças do novo modelo, é que as transportadoras aprofundem sua atuação em nichos mais específicos. "Isso criará condições para profissionalizar a gestão das empresas, de forma a garantir sustentabilidade econômica e financeira aos operadores."
O plano de outorgas será apresentado em quatro audiências públicas presenciais: Fortaleza (17 de agosto), Porto Alegre (19 de agosto), São Paulo (23 de agosto) e Brasília (1º de setembro).
Fonte: Valor Econômico