Nós, professores da Universidade de São Paulo, preocupados com o futuro deSão Paulo, vimos por meio deste apresentar nosso total repúdio àpolítica pública urbana que vem sendo implementada no Município,denominada “Revitalização da Marginal do Rio Tietê”, que prevê aconstrução de seis novas faixas de rolamento (três de cada lado) nessavia, consumindo R$ 1,3 bilhão em investimentos do Governo do Estado, daPrefeitura do Município de São Paulo, e das concessionárias dasrodovias que usam o trajeto da Marginal.
Tal obra repete práticas de planejamento equivocadas, que levaram a metrópole aocolapso atual. Ao invés de reverter tal lógica, prioriza o transporteindividual em detrimento do transporte coletivo, reproduzindo umapolítica excludente, além da triste tradição brasileira de obrasvistosas que beneficiam a minoria e os setores especializados daconstrução civil. Ela se opõe frontalmente aos princípios depriorização do transporte coletivo sobre o individual constante doPlano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e dos PlanosRegionais Estratégicos das Subprefeituras.
O mais inaceitável é que os dados técnicos ratificam esta urgente e necessária priorizaçãodo transporte coletivo. A Pesquisa OD 2007, realizada pela Companhia doMetrô, mostra que: a taxa de motorização da Região Metropolitana é demenos de 20 veículos para cada cem habitantes; metade das famílias daregião metropolitana não possui automóvel, parcela essa na qual seconcentram as de mais baixa renda; e que um terço das 37,6 milhões desuas viagens diárias ainda é feita a pé, em função das péssimascondições sócio-econômicas da população. As viagens de automóvelcorrespondem a apenas 11,2 milhões, ou seja, aproximadamente 30% dototal.
Se somarmos os gastos de todas as grandes obras viárias realizadas nos últimos 15 anos e daquelas previstas para o CentroExpandido da capital, aonde se concentram os estratos de maior renda,chega-se ao montante de vários bilhões de reais, valor mais quesuficiente para a implantação de toda a Linha 4 – Amarela do metrô.
A Cidade do México, tomando um exemplo com alguma similaridade com SãoPaulo, iniciou o seu metrô na mesma época que nossa capital.Atualmente, apresenta uma rede com 202 km de extensão, face aos tímidos61 km do metrô de São Paulo. Apesar da aceleração recente do ritmo dasobras, o incentivo ao transporte coletivo é insuficiente, pois,mantendo-se o ritmo atual, serão necessários ainda assimaproximadamente 20 anos para alcançarmos a quilometragem da cidade doMéxico.
Por outro lado, o sistema de trens, embora tenha uma quilometragem mais extensa que a do metrô, apresenta serviço irregular,com índices de conforto baixíssimos, espremendo seus usuários em umaconcentração de 8,7 passageiros por metro quadrado nos trechos maiscarregados no horário de pico, segundo dados da CPTM para maio de 2009.E mesmo o Metrô, que já foi fonte de orgulho quando da sua inauguração,ganhou o triste primeiro lugar em lotação entre todos os metrôs domundo, segundo reportagens recentes.
Por fim, ressaltamos os problemas ambientais e de saúde publica resultantes dessa opção pelotransporte individual, que consome enorme quantidade de combustívelfóssil, sendo que a emissão de gases poluentes por pessoa transportadaé bem maior que a produzida pelo transporte público que se utiliza domesmo combustível. Pesquisas do Laboratório de Poluição Atmosférica daFaculdade de Medicina da USP demonstram que a poluição é responsávelpor 8% das mortes por câncer de pulmão na cidade e que 15% das criançasinternadas com pneumonia na rede hospitalar são vítimas da má qualidadedo ar na cidade. Mesmo o recente Programa de Inspeção Veicular nãoconsegue resolver esse problema em vista do crescimento da frota deveículos da metrópole que é de 10% ao ano. Além do mais, as obras daMarginal deverão ter impacto metropolitano e regional, porém foramlicenciadas apenas no âmbito municipal.
Esse fabuloso investimento em um urbanismo rodoviarista em detrimento da construçãode um sistema de transporte público amplo, eficiente e limpo, queatenderia à maioria da população, é um assustador retrocesso, quecaminha na contramão da atual preocupação mundial com o meio ambiente.Acreditamos que as políticas públicas urbanas devam ser ambientalmenteresponsáveis e pautadas pelo atendimento das demandas da maior parte dasociedade. Políticas como aqui apontadas reforçam o carátersegregacionista da nossa cidade, privilegiando os estratos de maiorrenda e relegando a maioria da população a condições precárias detransporte e mobilidade, com danos ambientais para todos os cidadãos dametrópole. Por fim, esta obra não resolverá os problemas de transito dacidade, e muito menos da própria Marginal do Tietê.
Alexandre Delijaicov, Ana Cláudia C. Barone, Carlos Egídio Alonso, Catharina P. Cordeiro S. Lima, Eduardo A. C. Nobre, Erminia Maricato, Eugenio Queiroga, Euler Sandeville, Fábio Mariz Gonçalves, Flávio Villaça, João Sette Whitaker Ferreira, José Tavares Correia de Lira, Maria de Lourdes ZuquimMaria Lucia Refinetti MartinsNabil BondukiPaulo Sérgio ScarazzatoPaulo Pellegrino, Raquel Rolnik, Roberto Righi, Vladimir Bartalini
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