O valor total de subsídios para o transporte coletivo por ônibus já chega a R$ 12 bilhões anuais e pressiona o caixa de prefeituras em todo o país. Antes da pandemia de covid-19, apenas três grandes cidades subsidiavam o sistema: Brasília, Curitiba e São Paulo.
Hoje, 237 municípios usam subsídios para amortecer as tarifas dos passageiros, incluindo 18 capitais e seis regiões metropolitanas. Os dados foram compilados pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e repassados à CNN. De forma geral, isso mostra o tamanho do desafio que aguarda os prefeitos que serão eleitos (ou reeleitos) em outubro.
Em última instância, a própria estrutura de financiamento do setor está em xeque. Por um lado, os municípios têm escassez orçamentária para bancar as subvenções.
Por outro, o número de passageiros é incapaz de sustentar o sistema tal como ele funciona atualmente.
Entre 1995 e 2019, o transporte coletivo nas nove principais capitais brasileiras perdeu 45% de seus passageiros por ônibus.
Com a pandemia, o número de passageiros transportados despencou novamente. A demanda se recuperou, mas ainda está 15% abaixo do patamar pré-pandemia.
Para a NTU, há mudanças estruturais que explicam esse declínio. Além da opção pelo transporte individual, com o crescimento da frota de motos nos últimos tempos, algumas alterações reduziram o volume de deslocamentos: o teletrabalho (home office), o aumento do ensino a distância, a popularização do comércio eletrônico.
“Não podemos mais perder passageiros”, diz o diretor-executivo da NTU, Francisco Christovam.
“E ainda temos condições, com melhorias no serviço, de atrair uma população ávida por usar o transporte coletivo”.
Em um estudo recente, a associação indicou potenciais novas formas de financiamento para o setor. Entre as alternativas listadas, estão:
– Tarifa sobre a exploração de transporte remunerado por aplicativo (como Uber e 99);
– Exploração de estacionamentos rotativos ou de estacionamentos de longa duração nas vias públicas;
– Taxação sobre estacionamentos privados e outros polos geradores de tráfego;
– Tarifas de congestionamento ou pedágio urbano;
– Custeio dos benefícios tarifários (gratuitades e meia-tarifa) pelos orçamentos da União, estados e municípios.
Marco legal
Enquanto isso, um marco legal da mobilidade urbana está em discussão no Senado.
O PL 3278 foi apresentado em 2021 pelo então senador Antonio Anastasia (MG), hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e ganhou um substitutivo ao projeto em maio deste ano.
O texto foi apresentado pelo relator, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), com base em documento elaborado pelo Ministério das Cidades. A pasta ouviu dezenas entidades do setor no âmbito do Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana.
A ideia é votar o projeto no segundo semestre de 2024, no Senado, embora os trabalhos legislativos estejam mais lentos por causa das eleições municipais em outubro.
“É um texto bem alinhado com todo mundo. Foram meses e meses de discussões, com amplo acompanhamento do setor e da sociedade civil”, disse à CNN o secretário nacional de Mobilidade Urbana, Denis Andia.
Os serviços de transporte público são de titularidade municipal (ônibus) ou estadual (trens e metrôs), mas uma legislação nacional criaria um marco jurídico do que pode ou não ser aplicado pelos prefeitos e governadores.
Pelo projeto, o poder concedente dos serviços de transporte coletivo poderá constituir um “fundo de estabilização” para receber os recursos provenientes da cobrança de receitas alternativas.
Além de possibilidades mencionadas no estudo da NTU, como pedágio urbano e a cobrança de “tributos ou tarifas” de plataformas tecnológicas que fazem a intermediação do transporte individual, o substitutivo do projeto abre caminho para a “cobrança de contribuição de melhoria decorrente de valorização imobiliária privada ocorrida em razão de investimentos públicos em mobilidade urbana”.
Na prática: se uma nova linha de metrô for construída, imóveis nas proximidades das estações muito provavelmente serão valorizados.
Com o marco legal, abre-se espaço para que o poder público ajuste o IPTU ou introduza alguma contribuição para capturar essa valorização e dotar o sistema de mais recursos.
Esses recursos precisariam ir necessariamente, porém, para esse novo fundo — para bancar a modicidade tarifária ou novos investimentos em mobilidade.
Andia esclarece que nada disso será obrigatório, mas uma legislação nacional permitiria que gestores municipais ou estaduais implementem esse tipo de medida com mais previsibilidade.
“O marco traz segurança jurídica para pontos que hoje são nebulosos”, afirma.
O projeto exige licitação para os serviços de transporte coletivo de passageiros e veda contratos de natureza precária, como ocorre hoje em inúmeras prefeituras.
Com isso, surgem também exigências de controle e metas de qualidade para a prestação dos serviços.
Quem não seguir a previsão legal deixaria de ter acesso a recursos federais, além de ficar sujeito a contestações do Ministério Público e da Justiça.
É algo semelhante ao que ocorre no marco legal do saneamento básico.
“Isso tudo cria uma dinâmica de, ao longo do tempo, privilegiar [com recursos e financiamento da União] quem se adequou ao marco”, acrescenta o secretário do Ministério das Cidades.
Informações: CNN Brasil
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