A praça da Sé tinha a exata mesma temperatura de Maputo, capital do Moçambique, às 10h da última quinta: 30°C. Mas quem descesse ali os dois lances de escadas rolantes que levam à linha vermelha do metrô seria transportado termicamente para Washington, capital dos EUA.
A temperatura dentro do trem com sentido Barra Funda era de 19°C, segundo medição feita pela Folha com um termômetro profissional.
Nesse horário, saía de um trem a bancária Ana Paula Figueiredo, 34, embrulhada em uma pashmina cinza. "Sempre carrego de casa um lenço ou uma mantinha. Ou não aguento o frio", disse ela, que diariamente vai da estação Corinthians-Itaquera, ponto extremo do leste do metrô, até a Sé, onde trabalha.
"É por isso que tem que sair de casa que nem uma cebola. É regata, blusinha, casaco. Parece que é um ano em um dia", brincou a estudante Marisa Santos, 23, sob os 20°C no trem.
Ela mora na Vila Carrão, trabalha na Barra Funda e cruza a linha vermelha quase de eira a beira diariamente. "São 45 minutos de sono no trem, que eu e minhas amigas chamamos de 'inverno o ano todo'."
A temperatura recomendada para ambientes condicionados pela Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia fica entre 21°C e 23°C, para evitar choque térmico e problemas como gripes. A reportagem encontrou a maioria dos trens com 19°C e 20°C.
O Metrô afirma que a regulagem térmica do interior dos carros é automática e fica entre 23°C e 27°C, mas que fatores como o número de pessoas no transporte público influenciam no resultado. Caso um passageiro passe frio ou calor, a empresa instrui a entrar em contato, mandando uma mensagem para o número (11) 97333-2252, ou em suas redes sociais.
O Metrô afirma que 75% dos trens contam com ar-condicionado, e que o equipamento será instalado nos demais 25%. "Uns são Sibéria e outros são Saara", brincou o estudante de geografia Carlos Sá, dentro de um trem que estava mais para a área polar russa, com 20°C, do que para o deserto africano.
"Eu vou pra USP tiritando na linha amarela, mas pelo menos me sinto na Europa por meia hora."
A contabilista Silvia Mara Babbine, 42, já tem seus macetes para ir do Tucuruvi, na zona norte, até a estação Brigadeiro, na região da Paulista. "Na linha tem trens sem ar-condicionado, então espero um menos gelado. Mas na linha verde não tem jeito: só de moletom."
FRIO DE SUPERFÍCIE
O choque térmico também começa a se espalhar na superfície, desde que a prefeitura decidiu no começo do ano tornar obrigatório o ar-condicionado nos 15 mil coletivos da cidade –sem estipular um prazo. O número de ônibus com ar-condicionado subiu de 30 para 60.
Levantamento de 2009 da SPTrans com usuários apontou que 86% eram contra a climatização nos ônibus.
A encarregada de almoxarifado Lucilene Messias, 37, não recebeu bem a notícia. "Mas eu pego ônibus só quando não quero passar frio", disse a moradora de Guaianases que trabalha na avenida Paulista.
"Agora vou ter que tirar do armário todo dia o casaco de esqui que comprei só pra isso, e chegar no serviço encapotada que nem um bombomzinho."
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