Ao restringir a circulação de automóveis para dar prioridade aos coletivos, cuja circulação é garantida por corredores exclusivos de ônibus articulados (BRTs), o ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa melhorou a mobilidade urbana com menos investimentos do que seriam necessários para a implantação de metrô. Formado em economia e história nos EUA, com mestrado em governo, na França, o presidente do Instituto para Políticas de Transportes e Desenvolvimento (ITDP) analisa as mudanças no sistema de transportes do Rio, com a implantação de BRTs e a expansão do metrô. Para ele, no entanto, os ônibus têm vantagens interessantes, além do custo, numa cidade maravilhosa de se ver pelas janelas.
O GLOBO: O Transmilênio (BRT de Bogotá) é eficiente?
ENRIQUE PEÑALOSA: Os resultados são tão extraordinários que muitos especialistas em transporte não acreditam. O Transmilênio movimenta 45 mil passageiros por hora por sentido, mais do que quase todos os metrôs do mundo (o metrô carioca transporta 22 mil passageiros por hora, em cada sentido, na Linha 2, e 19 mil na Linha 1. Entre as estações Central e Botafogo, a capacidade é de 41 mil passageiros, de acordo com a Metrô Rio). Com ajustes, poderia chegar a 60 mil, e com mais conforto. Tudo isso com uma fração do custo de implantação e operação de um metrô.
O GLOBO: Há gargalos que limitam o Transmilênio?
PEÑALOSA: O gargalo é político: o espaço entre os edifícios é o mais valioso de uma cidade. Como distribuí-lo entre ruas de pedestres, ciclistas, transporte público e carros? O primeiro artigo das constituições democráticas diz: "Todos são iguais perante a lei". Se estou certo, um ônibus com cem passageiros tem direito a cem vezes mais espaço do que um carro com um passageiro. A solução de mobilidade não é técnica, mas política.
O GLOBO: O que deve ser melhorado no Transmilênio?
PEÑALOSA: São muitos os desafios: estações maiores; passagens de nível em mais cruzamentos; mais vias exclusivas; oferecer subsídios para o transporte de massa que seja mais econômico e ofereça mais qualidade, preferencialmente com encargos sobre o uso de carros; ampliar a rede de ciclovias e integrá-las ao transporte público, com estacionamentos nas estações. Um desafio será aproveitar a tecnologia das telecomunicações. Por exemplo, enviando mensagens de texto para celulares de passageiros com instruções sobre qual ônibus pegar e informar quando vem o próximo ônibus.
O GLOBO: Quais foram os principais obstáculos em Bogotá?
PEÑALOSA: O Transmilênio começou a operar há dez anos e continua enfrentando obstáculos, sobretudo políticos. Os ônibus hoje são cheios demais. É preciso que viajem mais vazios. Para isso, seria necessário alguns ajustes técnicos, mas o problema também é financeiro. É necessário reduzir custos e assegurar subsídios. De todo modo, seriam subsídios menores do que os dos metrôs.
O GLOBO: O Rio pode aproveitar o modelo dos BRTs?
PEÑALOSA: Acho que sim. Mesmo com algumas linhas de metrô, a imensa maioria do transporte público do Rio seguirá baseada em ônibus. É democrático que uma cidade tão bela como o Rio enterre seus usuários no subsolo, reservando a superfície, com vista para as montanhas verdes, rochas que se elevam ao céu, a arquitetura, a água, para os que vão de carro? Metrôs são maravilhosos, mas os ônibus têm vantagens interessantes, além do custo. É possível desfrutar a vista da cidade sem perder tempo indo ao subsolo. A distância entre as estações pode ser menor. Para transportar o mesmo número de passageiros, é necessário mais ônibus do que trens, mas a frequência pode ser mais alta e a espera, menor.
O GLOBO: Que lições o Rio pode tirar da experiência do Transmilênio?
PEÑALOSA: Construir um BRT é mais barato do que um metrô, mas é mais difícil politicamente e gerencialmente. É muito importante que seja bem feito, que haja, por exemplo, amplo espaço para pedestres, e com qualidade. A compra de imóveis para abrir espaço para o BRT é cara e difícil, mas estamos construindo uma cidade para os próximos mil anos.
O GLOBO: Os ônibus devem ser priorizados? Como conviver com as críticas dos motoristas?
PEÑALOSA: Uma cidade nunca resolve o problema de engarrafamentos dando mais espaço para automóveis, construindo mais vias ou duplicando as já existentes. Mais estradas permitem mais viagens e viagens mais longas, mas não resolvem os engarrafamentos. Além disso, estimula a expansão urbana em áreas de baixa ocupação, o que dificulta o transporte público de baixo custo e alta frequência. Temos que lembrar que existe um conflito entre carros e pessoas. Mais espaço para os carros tende a deteriorar a qualidade humana da cidade. Portanto, precisamos de mais espaço para ruas de pedestres e para bicicletas, para os idosos e para as crianças. Os carros são maravilhosos para passear, inclusive sair à noite, mas é ingênuo pensar que todos os cidadãos poderiam se movimentar em carros. Nas cidades mais bem-sucedidas do mundo, que atraem investidores, pessoas mais criativas e turistas, a maioria da população transita em transporte público: Nova York, Londres, Paris. Devemos compreender que a cidade desejada não é aquela em que os mais pobres transitam em carros, mas as que os mais ricos andam em transporte público.
O GLOBO: O Rio começa dando os passos certos em relação ao BRT?
PEÑALOSA: Parece me que os corredores escolhidos são excelentes. Mas é muito importante que seja feito direito: sem arrocho econômico nem custos políticos. É fundamental investir nos espaços públicos próximos, fazer faixas de ultrapassagem nas estações, etc. Se fizer direito, o Rio será um grande exemplo para o mundo em termos de mobilidade sustentável. O Rio é uma cidade que o mundo observa.
O GLOBO: Os BRTs vão melhorar efetivamente o trânsito?
PEÑALOSA: Mobilidade e tráfego são problemas distintos, com soluções diferentes. A mobilidade se resolve com sistemas de transporte de massa, como metrô e BRT. Mas isso não resolve o congestionamento. Londres tem uma população muito menor que o Rio, 1.800 quilômetros de metrô e ainda assim teve que estabelecer a cobrança pelo uso do carro.
O GLOBO: E quanto ao BRS (faixas preferenciais para ônibus), cuja experiência começa por Copacabana. Funciona?
PEÑALOSA: Não creio que funcione. Mas é importante entender que o BRTs não são simplesmente ônibus em faixas segregadas fisicamente. Precisam de estações com sistema pré-pago, passagens de nível, sistemas de integração e, quem sabe, melhorias radicais no espaço público para pedestres, estacionamento para bicicletas etc.
O GLOBO: O senhor acha que a mobilidade no Rio em 2016 será melhor, igual ou pior do que a de hoje?
PEÑALOSA: Felizmente o Rio não tem espaço para fazer mais estradas e não ouvi qualquer proposta maluca para elevados, que não melhoram a mobilidade e destroem a qualidade humana da cidade. O Rio é a cidade mais bonita do mundo. E pode converter-se numa das melhores cidades do mundo. Eu acredito que conseguirá.
O GLOBO: O Transmilênio (BRT de Bogotá) é eficiente?
ENRIQUE PEÑALOSA: Os resultados são tão extraordinários que muitos especialistas em transporte não acreditam. O Transmilênio movimenta 45 mil passageiros por hora por sentido, mais do que quase todos os metrôs do mundo (o metrô carioca transporta 22 mil passageiros por hora, em cada sentido, na Linha 2, e 19 mil na Linha 1. Entre as estações Central e Botafogo, a capacidade é de 41 mil passageiros, de acordo com a Metrô Rio). Com ajustes, poderia chegar a 60 mil, e com mais conforto. Tudo isso com uma fração do custo de implantação e operação de um metrô.
O GLOBO: Há gargalos que limitam o Transmilênio?
PEÑALOSA: O gargalo é político: o espaço entre os edifícios é o mais valioso de uma cidade. Como distribuí-lo entre ruas de pedestres, ciclistas, transporte público e carros? O primeiro artigo das constituições democráticas diz: "Todos são iguais perante a lei". Se estou certo, um ônibus com cem passageiros tem direito a cem vezes mais espaço do que um carro com um passageiro. A solução de mobilidade não é técnica, mas política.
O GLOBO: O que deve ser melhorado no Transmilênio?
PEÑALOSA: São muitos os desafios: estações maiores; passagens de nível em mais cruzamentos; mais vias exclusivas; oferecer subsídios para o transporte de massa que seja mais econômico e ofereça mais qualidade, preferencialmente com encargos sobre o uso de carros; ampliar a rede de ciclovias e integrá-las ao transporte público, com estacionamentos nas estações. Um desafio será aproveitar a tecnologia das telecomunicações. Por exemplo, enviando mensagens de texto para celulares de passageiros com instruções sobre qual ônibus pegar e informar quando vem o próximo ônibus.
O GLOBO: Quais foram os principais obstáculos em Bogotá?
PEÑALOSA: O Transmilênio começou a operar há dez anos e continua enfrentando obstáculos, sobretudo políticos. Os ônibus hoje são cheios demais. É preciso que viajem mais vazios. Para isso, seria necessário alguns ajustes técnicos, mas o problema também é financeiro. É necessário reduzir custos e assegurar subsídios. De todo modo, seriam subsídios menores do que os dos metrôs.
O GLOBO: O Rio pode aproveitar o modelo dos BRTs?
PEÑALOSA: Acho que sim. Mesmo com algumas linhas de metrô, a imensa maioria do transporte público do Rio seguirá baseada em ônibus. É democrático que uma cidade tão bela como o Rio enterre seus usuários no subsolo, reservando a superfície, com vista para as montanhas verdes, rochas que se elevam ao céu, a arquitetura, a água, para os que vão de carro? Metrôs são maravilhosos, mas os ônibus têm vantagens interessantes, além do custo. É possível desfrutar a vista da cidade sem perder tempo indo ao subsolo. A distância entre as estações pode ser menor. Para transportar o mesmo número de passageiros, é necessário mais ônibus do que trens, mas a frequência pode ser mais alta e a espera, menor.
O GLOBO: Que lições o Rio pode tirar da experiência do Transmilênio?
PEÑALOSA: Construir um BRT é mais barato do que um metrô, mas é mais difícil politicamente e gerencialmente. É muito importante que seja bem feito, que haja, por exemplo, amplo espaço para pedestres, e com qualidade. A compra de imóveis para abrir espaço para o BRT é cara e difícil, mas estamos construindo uma cidade para os próximos mil anos.
O GLOBO: Os ônibus devem ser priorizados? Como conviver com as críticas dos motoristas?
PEÑALOSA: Uma cidade nunca resolve o problema de engarrafamentos dando mais espaço para automóveis, construindo mais vias ou duplicando as já existentes. Mais estradas permitem mais viagens e viagens mais longas, mas não resolvem os engarrafamentos. Além disso, estimula a expansão urbana em áreas de baixa ocupação, o que dificulta o transporte público de baixo custo e alta frequência. Temos que lembrar que existe um conflito entre carros e pessoas. Mais espaço para os carros tende a deteriorar a qualidade humana da cidade. Portanto, precisamos de mais espaço para ruas de pedestres e para bicicletas, para os idosos e para as crianças. Os carros são maravilhosos para passear, inclusive sair à noite, mas é ingênuo pensar que todos os cidadãos poderiam se movimentar em carros. Nas cidades mais bem-sucedidas do mundo, que atraem investidores, pessoas mais criativas e turistas, a maioria da população transita em transporte público: Nova York, Londres, Paris. Devemos compreender que a cidade desejada não é aquela em que os mais pobres transitam em carros, mas as que os mais ricos andam em transporte público.
O GLOBO: O Rio começa dando os passos certos em relação ao BRT?
PEÑALOSA: Parece me que os corredores escolhidos são excelentes. Mas é muito importante que seja feito direito: sem arrocho econômico nem custos políticos. É fundamental investir nos espaços públicos próximos, fazer faixas de ultrapassagem nas estações, etc. Se fizer direito, o Rio será um grande exemplo para o mundo em termos de mobilidade sustentável. O Rio é uma cidade que o mundo observa.
O GLOBO: Os BRTs vão melhorar efetivamente o trânsito?
PEÑALOSA: Mobilidade e tráfego são problemas distintos, com soluções diferentes. A mobilidade se resolve com sistemas de transporte de massa, como metrô e BRT. Mas isso não resolve o congestionamento. Londres tem uma população muito menor que o Rio, 1.800 quilômetros de metrô e ainda assim teve que estabelecer a cobrança pelo uso do carro.
O GLOBO: E quanto ao BRS (faixas preferenciais para ônibus), cuja experiência começa por Copacabana. Funciona?
PEÑALOSA: Não creio que funcione. Mas é importante entender que o BRTs não são simplesmente ônibus em faixas segregadas fisicamente. Precisam de estações com sistema pré-pago, passagens de nível, sistemas de integração e, quem sabe, melhorias radicais no espaço público para pedestres, estacionamento para bicicletas etc.
O GLOBO: O senhor acha que a mobilidade no Rio em 2016 será melhor, igual ou pior do que a de hoje?
PEÑALOSA: Felizmente o Rio não tem espaço para fazer mais estradas e não ouvi qualquer proposta maluca para elevados, que não melhoram a mobilidade e destroem a qualidade humana da cidade. O Rio é a cidade mais bonita do mundo. E pode converter-se numa das melhores cidades do mundo. Eu acredito que conseguirá.
Fonte: O Globo
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