Esses sistemas vêm sendo criados não porque (apenas) é uma solução ecologicamente correta e porque andar de bicicleta é legal e feliz. Mas porque as bicicletas ajudam a solucionar problemas do trânsito, que pode ser terrível nas grandes cidades européias. Nos cartões postais tudo parece calmo, mas passei por momentos bastante paulistanos em termos de engarragamentos em Barcelona.
Aí minha irmã, que mora na capital catalã há 7 anos, me emprestou o cartão do Bicing dela. Como usar? Bastava encostar o negócio em tótem de uma das centenas de estações da cidade, que aparecia na telinha qual bicicleta eu deveria pegar - ela seria "destrancada" da parte de descanso, onde cabem umas 30. Depois de pedalar, bastava devolver em uma estação semelhante, em um espaço livre, e pronto. Achei genial. E, é claro, comecei a me perguntar: por que um lance tão simples dá certo e não é pensado no Brasil? O que precisa para isso funcionar?
Cada estação consiste de uma barra de metal com furos (onde se encaixa a bicicleta, que fica bastante segura), com espaço para umas 20-40 bicicletas, e um tótem com uma interface eletrônica e um mapa das estações próximas. Basta aproximar o seu cartão ali que aparecerá na tela qual bicicleta você deve retirar - ela então ficará destravada por alguns segundos.
A idéia de tantas estações, tão próximas, é que você não apenas possa alugar uma bicicleta em basicamente qualquer lugar, mas principalmente devolvê-la em vários pontos diferentes. Isso porque no Bicing, como no Vélib, tenta-se deixar as estações a não mais que 300 ou 400 metros de outra. Se não há espaço no estacionamento, ele te dá mais 10 minutos de prazo e indica onde você precisa devolver - devolver, no caso, é engatar a bike em uma estação com vaga.
A bicicleta então é um sistema complementar: se você mora longe ou numa região mais montanhosa, pega um metrô ou ônibus, e na saída da estação, encontrará bicicletas. Você faz o quilômetro que faltaria até o destino pedalando - portanto nem fica suado com o exercício. Não vale muito a pena fazer longos trajetos, a não ser que você vá trocando de bicicletas no caminho, por causa de uma regra de ouro:
E isso é uma vantagem. No Bicing, como em outros sistemas, você só pode ficar com a bicicleta por 30 minutos. Se não você pagará multa (50 centavos de Euro). Se ficar mais de duas horas com a bike, a multa é mais pesada (4 Euros) e você ganha uma advertência, tudo descontado já no cartão de crédito cadastrado. Três delas e o seu cartão da Bicing é bloqueado, precisando fazer um novo cadastro (e pagar a anuidade) para recuperar o direito. Se você demorar mais de um dia para devolver a bicicleta, a multa já é de 150 Euros (R$ 364).
A ideia é que você não use a bicicleta para turismo ou uma trilha. Na parte central há uma concentração maior delas, próximas as estações de metrô ou paradas de ônibus especialmente. Na prática, é incentivado o uso da magrela para viagens curtas. E isso faz com que não sejam necessárias tantas bicicletas para atender todo mundo: estima-se que cada uma seja usada por até 10 pessoas diferentes no dia, rodando 25 km em diferentes mãos.
A bem da verdade, imaginava-se que a convivência entre ciclistas e carros seria tranquila nas ruas de Barcelona quando o Bicing foi lançado. Mas, pelo relato das pessoas com quem conversei lá, o início do projeto foi marcado por muitos acidentes e discussões entre ciclistas e motoristas, especialmente porque Barcelona não tinha muito a cultura de bicicletas e muita gente que nunca havia arriscado pedaladas passou a andar pelas ruas. Rapidamente, a prefeitura se mobilizou: a lei foi modificada também para proteger o ciclista dos carros em caso de acidentes (eles têm preferência), assim como os pedestres dos ciclistas.
Simultaneamente, a cidade foi adaptada, pegando um pedaço da calçada e deixando faixas de travessia mais nítidas. Os estacionamentos das bicicletas que foram instalados não ocupam tanto espaço, e podem ser instalados em qualquer lugar. Onde não há calçada para o Bicing, pega-se um pedaço do estacionamento da rua, como nessa foto:
Tem de ser barato - para o governo e o cidadão
O Bicing, ao contrário dos sistemas franceses, só funciona para moradores de Barcelona. Você compra um cartão (magnético, com RFID), paga uma anuidade de 30 Euros (R$ 72), associa a conta a um cartão de crédito e tem o direito a pegar quantas bicicletas quiser, desde que devolva no tempo certo. No início, para popularizar o sistema, a assinatura anual custava módicos 6 Euros.
É claro que, pelo custo de funcionamento, vê-se que o sistema não foi feito para dar lucro. Quem administra o sistema é uma gigante da publicidade outdoor na Europa, a ClearChannel, que criou o primeiro dos sistemas de aluguel de bicicleta em Rennes, na França, em 2001. O governo paga 2,13 milhões de Euros (R$ 5,14 milhões) por ano ao Clear Channel, e o dinheiro vem todo do Detran/CET local: os carros pagam multas por estacionar em lugar proibido, a grana vai para bicicletas.E R$ 5,14 milhões é pouco mais de 1% do que a CET arrecada em multas na cidade de São Paulo.
Há uma opção ainda de não pagar coisa alguma à empresa que administra o sistema das bicicletas: atualmente Barcelona considera liberar as estações e bicicletas para publicidade, podendo, ao invés de gastar dinheiro, ganhar com as bicicletas ao custo de alguma poluição visual.