Entre otimismo e desconfiança, passageiros do sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte testaram ontem, pela primeira vez, o BRT/Move do corredor Cristiano Machado e avaliam se, amanhã, dia de trânsito pesado, embarcarão de vez nessa viagem. Na balança dos contras, pesaram problemas na Estação São Gabriel. Sem sinalização adequada, usuários ficaram perdidos entre os corredores. A chuva também complicou a situação, pois a cobertura do terminal e das passarelas ainda não foi concluída. O desconforto se estendeu à falta de bancos nas plataformas de embarque.
Foto: Portal Embarq Brasil |
Muitos dos usuários aproveitaram o sábado livre para se inteirar sobre o funcionamento e passear nos ônibus sem compromisso. “Achei ótima a novidade e o percurso muito confortável. Mas faltam muitas informações. Não tem placa explicando com clareza. Foi por isso que resolvi fazer um teste hoje (ontem), já que segunda-feira não posso correr o risco de errar”, disse a técnica em saúde bucal Ana Cristina Valadares Moreira, 36 anos, que gasta 1h40 todos os dias do Bairro Floramar, Norte de BH, até Nova Lima, na Grande BH. Ela acredita que vai conseguir ganhar 20 minutos se usar o BRT diariamente.
A falta de sinalização das estações deram dose extra de tensão à estreia do BRT/Move, sobretudo na Estação São Gabriel. A principal reclamação é de que todos ônibus, inclusive os convencionais, deixaram o antigo terminal, mais próximo do metrô, sendo transferidos para nova ala, mais distante. “Antes eu descia do ônibus e já pulava para o metrô. Agora, ficou muito longe. Tenho que andar de 7 a 10 minutos”, diz a vendedora Verônica Cristina, 27. Outro problema que dificultou o deslocamento para o metrô foi a chuva. A água empoçou na passarela e na área de manobra dos ônibus, incomodando usuários e motoristas.
O técnico em transporte e trânsito Bruno Santos, 35, mora perto da estação e resolveu mudar o trajeto para avaliar o novo sistema. Normalmente, aos sábados ele vai ao centro estudar e pega um ônibus que passa perto de sua casa. “Acho que temos que esperar segunda-feira para ver como vai funcionar com o trânsito”, disse. Ele diz ter dúvidas sobre o impacto do BRT por conta de locais sem faixas exclusivas.
AR-CONDICIONADO Por sua vez, a cabeleireira e manicure Kelly Juliana Oliveira, 29, acredita que o BRT pode até substituir o metrô, já que ela pega um ônibus para a São Gabriel, de lá embarca pelos trilhos e ainda pega outra condução do Centro até o Bairro Luxemburgo, Centro-Sul da capital. “De cara o BRT/Move já ganhou do metrô por conta do ar-condicionado. Normalmente, gasto de 18 a 20 minutos só nos vagões entre as estações São Gabriel e Praça da Estação. Imagino que vou conseguir gastar o mesmo tempo no BRT, o que pode significar uma migração”, afirma.
Moradora do Bairro Novo Aarão Reis, na Região Norte, a empregada doméstica Railda da Silva, de 55, trabalha no Bairro União, na Região Nordeste, e também está disposta a trocar o metrô pelo novo sistema. “Vou descer numa estação mais perto e o BRT é muito mais confortável”, diz. O açougueiro Roberval Tido de Lima, de 42, era só sorrisos com o filho Victor Hugo, de 10. Eles moram em Venda Nova e o menino faz fisioterapia no Centro da cidade. A família será atendida pelo BRT/Move da Avenida Pedro I, que só será inaugurado em maio, mas aproveitaram o sábado para já conhecer a novidade. “Viemos passear. Estou vendo que é bem estruturado”, diz.
Alguns passageiros reclamaram da demora no atendimento de uma das bilheterias da Estação São Gabriel, onde apenas uma funcionária trabalhou em pelo menos parte da tarde. “Há apenas uma funcionária na bilheteria (da Estação São Gabriel). Demorei uns quatro minutos para ser atendida”, contou a técnica em enfermagem Jaqueline Lorenço. Na Avenida Paraná, usuários estranharam a localização da bilheteria da estação, que fica a cerca de 50 metros do local, na Rua Carijós. Na linha que faz a ligação entre área hospitalar e a Estação São Gabriel, o sistema de anúncio das paradas, sonoro e em tela, do veículo número 20.477 não funcionou.
Tudo novo para motoristas
O relógio marcava 13h07 quando Ademar Ferreira Lopes, um baiano de Teixeira de Freitas e radicado em Belo Horizonte há três décadas, ligou o ônibus da linha 83P, que faz o percurso estação São Gabriel/Avenida Paraná. Há 21 anos como motorista de coletivo, ele conhece o trânsito da capital como poucas pessoas: “É preciso ter paciência”. Foi na companhia dele que o Estado de Minas embarcou numa das viagens do primeiro dia de operação do BRT. O condutor elogiou o sistema, mas apontou locais que precisam de maior atenção das autoridades de trânsito.
Ademar Lopes aprovou ônibus, mas precisou redobrar atenção a dirigir / Foto: Estado de Minas |
Ainda na São Gabriel, Ademar faz questão de contar o quanto está feliz. Pudera: deixou de ser um dos motoristas de uma linha convencional para guiar um veículo do novo sistema de transporte público. Ele próprio resume algumas diferenças: “Este tem ar-condicionado e é hidramático, ou seja, não carece de marchas. É mais confortável”. Outro benefício foi fugir do trânsito caótico da Avenida Cristiano Machado: a via tem uma pista exclusiva para o BRT.
Ademar faz questão de chamar atenção para o silêncio do motor do veículo. E explica como ele procede nas paradas: “Há uma faixa preta em cada estação. Tenho que ficar ao lado dela para que as portas do ônibus fiquem lado a lado com as das estações”. Durante a viagem, ele estaciona em 12 estações, incluindo as de partida e chegada. Foi logo depois da São Judas Tadeu, próximo à Avenida José Cândido da Silveira, que o motorista precisou estrear a buzina.
O motivo foi uma moça que atravessou a pista exclusiva do BRT sem olhar para as laterais. “Temos de ter cuidado, pois o pedestre ainda não se acostumou com o novo sistema, pois esse trecho estava em obra (até poucas semanas).” Na verdade, operários ainda trabalham no local. Ontem, por exemplo, alguns colocaram gradis às margens da avenida para forçar pedestres a usarem as passarelas.
Nem todas, porém, foram erguidas, como mostram algumas estruturas de aço debaixo do Viaduto Murilo Rubião, no Bairro Cidade Nova. Menos de dois quilômetros adiante, a pista exclusiva é cortada pela Rua Jacuí, uma das mais extensas da capital e onde o motorista precisou parar o veículo, embora a luz do semáforo estivesse na cor verde. “Muitos condutores fecham o cruzamento. É preciso ter um agente de trânsito aqui”, sugeriu.
A viagem começara 20 minutos antes. A passagem por debaixo da montanha representa o fim da pista exclusiva para o BRT. Depois do túnel, o 83P “disputa” com carros, motos e outros veículos espaço no complexo de viadutos da Lagoinha. Às 13h27, no elevado que termina na Avenida do Contorno com Rua Rio de Janeiro, uma retenção obrigou Ademar a pisar no freio novamente. Havia grande quantidade de veículos: “Acho que a prefeitura, na segunda-feira, irá colocar uns cones aqui para privilegiar o fluxo do BRT”. Já no Centro, ônibus voltou a parar em razão de um cruzamento fechado, na esquina da Santos Dumont com a São Paulo. Às 13h34 (27 minutos depois da partida), Ademar estacionou o coletivo na última estação. Despediu-se de alguns passageiros e cumprimentou os que embarcavam.
Dificuldades Como Ademar, outros motoristas elogiaram os ônibus mais modernos, mas relataram que uma das principais dificuldades no primeiro dia do BRT/Move foi entender a dinâmica da Estação São Gabriel. A falta de informações sobre entrada e saída na estação motivou, inclusive, um desarranjo na partida dos dois primeiros veículos, que deveriam ter saído da parte velha da estação, mas acabaram partindo pela área nova.
Alheio à dinâmica pensada pela BHTrans para a primeira viagem da história do Move em BH, que deveria partir da parte velha da São Gabriel, Valdivino Rodrigues, 29, deixou a garagem da Viação Getúlio Vargas às 3h50 para fazer o itinerário das 4h20 da São Gabriel à Savassi. “Ninguém explicou como seria essa entrada na estação. Saí pela parte nova”, diz ele. No trajeto, só elogios. “Basta um pouco mais de prática que todos estarão muito bem”, avalia.
0 comentários:
Postar um comentário