Ainda é ilegal, mas nem parece. Basta ter uma motocicleta e uma camisa com a inscrição “Mototáxi” para ganhar alguns trocados transportando passageiros pelos corredores de carros do tumultuado trânsito de Salvador.
Punição para quem exerce a profissão de forma clandestina? Praticamente nenhuma. Polícia Militar e Transalvador fazem de conta que o problema não existe e deixam passar incólumes os mais de 5 mil mototaxistas que rodam na capital, segundo estimativa do sindicato dos Motociclistas, Motoboys e Mototaxistas da Bahia (Sindmoto).
“Do jeito que está, gato e cachorro está pegando a moto para rodar. Vai chegar uma hora em que todos os desempregados vão virar mototaxista”, reclamou o próprio presidente da entidade, Henrique Baltazar.
Estimativas do Sindmoto indicam que a atividade já está regulamentada em 40% das cidades da Bahia. “Lauro de Freitas, Feira de Santana, Valença e Camaçari já estão regulamentadas, além de outras cidades menores. Em Salvador, o preconceito dos vereadores faz com que não seja regulamentada”, diz Baltazar.
Em Fortaleza, cidade com quase o mesmo número de habitantes de Salvador, a atividade já está regulamentada desde 1997. Na capital baiana, às vistas do poder público, a categoria se organiza a ponto de instalar nos canteiros das principais vias da cidade verdadeiros pontos de mototáxi.
Na Avenida ACM, no Iguatemi, um toldo e cadeiras garantem um abrigo para os profissionais à espera de passageiros. A cena se repete em diversos outros pontos, como na Avenida Vasco da Gama, próximo ao Hospital Geral do Estado (HGE); na Avenida Paralela, na entrada de Narandiba; e no Largo do Carangueijo, em Itinga.
“Já é um ponto de apoio para a gente. Todo mundo se conhece e não chega ninguém estranho, que esteja mal intencionado. É uma garantia de segurança para o passageiro”, defendeu o criador do ponto na ACM, Paulo Cosme Conceição, 25 anos. Segundo ele, nunca houve ação de policiais ou fiscais da prefeitura para tentar retirar o equipamento da via pública.
Legislação
A ação dos mototaxistas se multiplicou após o Congresso Nacional aprovar, em 2009, a Lei 12.009/2009, que reconhece a profissão. Para que o serviço funcionasse de maneira ordenada, como é com os táxis convencionais, bastava que na época a Prefeitura regulamentasse a legislação federal, com normas claras para a obtenção do alvará. Ou que impedisse desde o início a ação dos clandestinos. Como nada disto não foi feito, o problema tornou-se maior do que se imaginava.
“A gente está desenvolvendo estudos para tentar disciplinar, mas não de maneira ampla. Estamos estudando de que forma regulamentar, a quantidade de alvarás que serão expedidos e o perímetro onde eles poderiam atuar em Salvador, mas não é algo simples”, justifica o superintendente da Transalvador, Alberto Gordilho. “O número de 5 mil é excessivo. Temos que estabelecer alguns critérios, como táxi, por exemplo, que só pode um para cada 500 habitantes”, pondera. Segundo Gordilho, não há previsão para quando a regulamentação deve sair.
Na próxima terça-feira está prevista uma reunião em Salvador, entre o Detran e o Sindimoto para tratar da regulamentação.
Reclamações
Especialistas em transporte vêm com muitas restrições a liberação do exercício da profissão. Eles alertam para o perigo do transporte em motocicletas.
“Em cidades pequenas, onde não se conta com muito transporte urbano, isso é muito útil, quebra o galho de muita gente. Mas cidade pequena é diferente de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo. É um tipo de veículo de fácil perda de equilíbrio”, alerta o professor Élio Santana Fontes, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), especialista em engenharia de tráfego.
“Se o motociclista está em uma pista perfeita, sem problema algum, mas recebe uma fechada de um carro, pode virar vítima de acidente”, ponderou, lembrando dos problemas do relevo e da condição das pistas da capital baiana.
O professor reconhece, porém, que devido à quantidade de mototaxistas que atuam clandestinamente, a regulamentação ao menos amenizaria o índice de acidentes. “Já que você não vai conseguir impedir a atividade, seria bom (regulamentar) para tentar fazer com que eles conduzissem de forma melhor”.
"É um risco para todos", diz vereador
O vereador Jorge Jambeiro (PP), presidente da Comissão de Transporte e Serviços Públicos da Câmara Municipal de Salvador, é contrário à regulamentação da atividade: “Antes de ser vereador, sou médico e digo o quanto é impressionante a quantidade de pessoas que dão entrada na UTI devido a acidentes causados por motocicletas. É um absurdo que isso exista como profissão. É um risco para todas as pessoas”.
Como ele também reconhece a dificuldade para impedir a ação dos clandestinos, sugere a adoção de uma medida mais radical. “Se você regulamentar mil, no outro dia tem seis mil atuando ilegalmente. O único modo de proibir seria impedir duas pessoas em uma moto. Para duas pessoas, tem que comprar aquele banquinho ao lado. Seria muito mais seguro, porque não andaria nos corredores”, defendeu.
Falta de opção
Apesar da posição do vereador, para muitas pessoas não há outra opção. A estudante Luiza Correia Albuquerque, 24 anos, por exemplo, trabalha com telefonia no Cabula até as 18h, mas sua aula do curso de Administração começa meia hora depois no Rio Vermelho.
“Nesse horário, se eu não for de mototáxi não chego. Eu sei que é perigoso, mas não dá para ir de ônibus. O protético Jorge Macedo, 43 anos, também reclama do trânsito. “Eu tenho que entregar um material a um cliente na Manoel Dias às 17h. Vou me arriscar, fazer o quê?”, disse, às 16h45, na Vasco da Gama.
Segundo o superintendente da Transalvador, Alberto Gordilho, a regulamentação estudada pela prefeitura deve limitar a ação dos mototaxistas às regiões periféricas da cidade. “Nas áreas centrais da cidade não comporta”, salientou.
Fiscalizações são esporádicas, admite Transalvador
Enquanto a atividade permanece ilegal, os mototaxistas se proliferam sem o controle do poder público. “Quando fazemos blitze para transporte clandestino de uma maneira geral, apreendemos vans, carros de passeio e mototáxi”, disse o superintendente da Transalvador, Alberto Gordilho.
Ele reconhece, porém, que essas operações de combate ao transporte clandestino são “esporádicas”. As fiscalizações que ocorrem cotidianamente por agentes da Transalvador não punem quem exerce a atividade ilegal. “Nesses casos, a moto estando regular e motorista também, a princípio não tem por que apreender”, admitiu.
A Polícia Militar, em nota, informou que somente atua na repressão aos mototaxistas quando um pedido do apoio é solicitado pelos órgãos de fiscalização de trânsito. Na rua, a categoria agradece. “Ninguém nos incomoda, não. Respeita, porque sabe que somos trabalhadores. Quem está com documento em dias, sem nada de errado, anda tranquilo”, afirmou Jailton Costa, 31 anos.
Taxistas
Incomodados com a atuação dos mototaxistas, os taxistas clamam por ação do poder público. “A gente paga nossos impostos, os carros têm que estar novos, limpos, pneus não podem ficar carecas, e eles chegam de qualquer jeito, andam sem capacete, na contramão, subindo passeio e não temos a quem reclamar”, reclama o presidente da Associação dos Taxistas de Salvador, Valdeilson Miguel.
Ele mesmo não tem opinião formada sobre se seria melhor regulamentar ou combater a atividade. “Se a prefeitura regulamentar mil motos, não vai ter como fiscalizar e as clandestinas vão continuar atuando”. Na rixa entre as duas categorias, quem acaba perdendo é o passageiro. Os motociclistas reclamam de serem perseguidos no trânsito. “Os taxistas fecham a gente para não passar. Se a gente não ficar ligado, pode até causar acidente”, disse Pablo Santos, 23 anos.