Primeiro foram os idosos entre 60 e 64 anos que tiveram de sentir o gostinho da gratuidade no transporte coletivo urbano, e logo em seguida, perderam o benefício, num duelo que envolveu as concessionárias do serviço e uma Lei Municipal muito mal elaborada. Agora quem está perdendo o passe livre são os deficientes físicos de Porto Seguro.Segundo Manoel dos Santos, presidente da Associação dos Deficientes Físicos de Porto Seguro - ADPS, tem pelo menos um ano, que os ônibus do município não estão aceitando, gratuitamente, determinadas classes de deficientes.
Para ele, uma total falta de respeito com todos os deficientes e uma sequência de diversos constrangimentos constatados cotidianamente nos coletivos urbanos de Porto Seguro. Pelo que conta Manoel, a discriminação parte dos funcionários das empresas - motorista e cobrador - que ao seguir a ordem estabelecida por elas, passam a exercer papéis de juízes e avaliadores de deficiência. “A autorização é para permitir apenas as pessoas que possuem deficiência visual e mental, além dos cadeirantes. O cidadão pode ter perdido a perna, mas se ele utiliza muletas, é obrigado a pagar a passagem”, explica.
A revolta de Manoel, que também faz parte do grupo de deficientes que estão sendo obrigados a pagar a passagem, - e de diversos associados - foi parar no Ministério Público, que, antecipadamente, já havia impetrado uma ação civil pública contra a Viação Cidade de Porto Seguro Ltda e Mundaí Transportes Urbano Ltda, por meio do promotor público Maurício Magnavita.
Durante o procedimento de investigação preliminar em 2009, o MP verificou fatos arbitrários e ilegais, desrespeito ao idoso e ao portador deficiência que, “ao buscarem o transporte coletivo urbano para locomoção, são agredidos física e verbalmente, sobretudo, são impedidos de exercerem sua plena cidadania”, retirado da ação do MP, datada de 11, de dezembro de 2009.Segundo os relatos de deficientes que foram feitos ao MP, os ônibus não param para esses passageiros, se recusando a transportá-los, além da discriminação, o uso de palavras inadequadas e até notícias de agressão.
O promotor concluiu em sua ação, que os condutores e cobradores insistem em descumprir seu dever e que tal comportamento por vezes é decorrente de orientação dos próprios permissionários. A grosso modo, o que o promotor concluiu é que de duas, uma: ou há má fé na orientação dos diretores das empresas com os funcionários; ou falta capacitação e treinamentos aos mesmos. Para comprovar a tese da privação do direito individual, o MP utiliza o depoimento de um deficiente físico.
Segundo a ação civil, o cidadão em 26 de agosto do ano passado, quando voltava de seu trabalho para casa, foi surpreendido por funcionários da Viação Porto Seguro, que arrancaram sua carteira de identificação e o conduziu até o ponto final do ônibus. Além da humilhação, o cidadão ainda foi obrigado a ouvir do funcionário, que sua carteira era falsa e seria apreendida. “Note-se que o cidadão, comprovadamente hipossuficiente, necessita do passe livre para fazer valer seus direitos e garantias constitucionais”, depoimento colhido na investigação do MP e impetrado em ação.
É bom lembrar que a Lei Municipal nº 660, de 20 de dezembro de 2006, em seu artigo 9º, determina que são beneficiários da gratuidade no transporte coletivo urbano de Porto Seguro: “IV - deficientes físicos, mentais e sensoriais, comprovadamente carentes”. O artigo 10 ainda completa que “farão jus à carteira de livre acesso ao sistema de transporte coletivo urbano municipal, em operação em Porto Seguro, sem qualquer ônus, os portadores de deficiências.
O promotor Magnavita prossegue em sua ação, citando a conduta das empresas, que além de “configurar frontal descumprimento à lei e crime, em tese, está ainda, a provocar dano moral puro configurado pelo sentimento de repulsa e indignação manifestado pelos portadores de deficiência ante a postergação dos seus direitos”, escreve Magnavita em sua ação.
Por fim, a ação descreve em números para indenizações as arbitrariedades constatadas pelas empresas. “...proceda à gratuidade no transporte coletivo urbano, em qualquer ponto de embarque ou desembarque, inclusive terminais, sob pena de cominação diária de R$ 200 mil, cuja quantia, após levada à execução, será revertida ao Fundo Municipal criado pelo Conselho das pessoas Portadores de Necessidades Especiais de Porto Seguro, para o cidadão (que representa a queixa acima citada), bem como para todos os portadores de deficiência elencados na Lei Municipal 660/2006.”, ainda pede a condenação das empresas em pagamento de R$1 mi, a título de dano moral coletivo ao Fundo Federal.
Concessionárias não assinam as carteiras expedidas pela Secretaria
Para conseguir o benefício da gratuidade no transporte coletivo urbano, o deficiente físico tem que procurar a Secretaria Municipal de Assistência Social. Depois de ser examinado por um médico - por meio do SUS - onde será avaliado o tipo e grau de sua deficiência (classificação do Código Internacional de Doenças - CID), e aonde poderá confirmar ou não o benefício, o deficiente espera a confecção de sua carteira, que é feita pela própria Secretaria.No entanto, a carteira só terá validade, se os diretores das concessionárias do transporte público da cidade assinarem. E aí que está o problema. A grande maioria das carteiras volta para Secretaria, sem o visto permissional.
O presidente da ADPS, Manoel dos Santos, informou que quase todas as carteiras expedidas voltam à Secretaria sem a assinatura dos diretores das empresas. Para Manuel a situação é crítica. Pelo que conta o presidente da ADPS, a alegação das empresas é que a Lei Municipal restringe o benefício para algumas determinadas classes de deficientes. O promotor Maurício Magnavita explica que as leis municipais são feitas para ampliar programas, projetos e benefícios, e em hipótese nenhuma pode restringir o que as leis estaduais e federais já contemplam.
Dessa forma, como já existe uma lei maior que confere o direito a nível nacional - mas, faz a ressalva que o benefício é para o transporte interestadual - o promotor espera que as carteiras de deficientes, expedidas a nível nacional, passam a valer no transporte coletivo urbano até que se regularizem o processo de confecção das carteiras no município.
A ação civil pública espera a apreciação do juiz de direito, da Comarca de Porto Seguro, Roberto Costa Freitas Júnior.
O promotor determinou algumas linhas de trabalho para tentar assegurar acessibilidade, a locomoção e a inserção no mercado de trabalho dos deficientes físicos no ano de 2010.O próximo passo do MP será a regularização das perícias com o credenciamento dos médicos do município - vinculado ao SUS - para diagnosticar as deficiências, dentro do conceito do CID. “Um dos problemas que percebemos é que alguns médicos do SUS se recusam a realizar tal procedimento”, comenta.
O MP também enviará ofícios para Prefeitura de Porto Seguro e as secretarias envolvidas para que se posicionem frente às concessionárias, cobrando ações na fiscalização. “Existe omissão por parte da administração municipal, uma vez que não há fiscalização nas concessionárias. Chegando ao extremo, a Prefeitura deve até caçar a concessão dessas empresas”, analisa Magnavita.Ou seja, o caminho se tornou inverso: a secretaria confecciona e as empresas não aprovam e nem assinam e tudo fica do mesmo jeito.
Fonte: Jornal do Sol