O transporte urbano sobre trilhos -metrôs e trens metropolitanos- é uma das vocações da ferrovia, como modo de transporte. Neste caso, a vocação se materializa em capacidade de transporte maior que a qualquer outro modo.
Não existe outra forma de transportar tantas pessoas que ocupe semelhante espaço urbano, seja em via em superfície, seja em túnel. Em números: uma via de metrô ou trem é capaz de transportar sessenta mil passageiros por hora e por sentido. Transportar o mesmo número de pessoas por ônibus, por exemplo, exigiria avenida descomunal.
A ferrovia, por outro lado, é caracterizada por ser um sistema. Isto quer dizer que ela é formada por partes, que têm de interagir para que o resultado final seja obtido.
Assim é que não basta ter o trem ou a via ou a alimentação elétrica ou a sinalização: é preciso ter todos estes subsistemas funcionando harmonicamente para que se transportem pessoas adequadamente.
Ainda mais, tudo que afeta um subsistema atingirá os demais, por exemplo: uma pane de alimentação elétrica pode afetar a sinalização; um deslocamento da rede aérea de tração exigirá a interdição da via para ser reparado ou executado; o trabalho na via muita vez exige o desligamento da rede aérea; sem via, nem rede aérea em boas condições, o trem não passa.
Por outro lado, é preciso dizer que o sistema ferroviário tem alto nível de segurança, comprovado por estatísticas mundiais.
Uma das características de projeto que trazem tal segurança é o conceito de falha-segura. Falha-segura significa que os dispositivos são projetados de modo a que parem em situação segura em caso de pane.
Assim, contrariamente à sensação de muitos usuários, trem parado significa trem em segurança, enquanto se soluciona a origem do problema havido. É claro que estar dentro de um trem imóvel ou ficar esperando numa estação é desconfortável; contudo, faz parte da garantia de segurança que o sistema oferece.
Também é preciso lembrar que trens e sistemas ferroviários não se compram prontos. É preciso tempo para projetar, fabricar, instalar e testar.
Tudo o que foi escrito até aqui tem como objetivo tratar das recentes dificuldades operacionais que os trens urbanos tiveram em São Paulo, especialmente situações recentes na região do Tatuapé, do Itapevi e do Jaraguá. Quero afirmar que, sem menosprezar os transtornos aos usuários, estes episódios não deveriam ser analisados e tratados de forma açodada ou sensacionalista. Eles não são obra do descaso; ao contrário, são parte da solução!
Os trens urbanos de São Paulo resultaram da consolidação de três malhas, com diferentes origens ao longo de sua história, bastando lembrar que as atuais linhas 7 e 10 já foram a São Paulo Railway, fundada em 1867.
Esta malha resultante chegou ao presente com grande despadronização de equipamentos e carências agravadas pela falta de investimento nos últimos 20 anos do século XX, entre elas: trechos críticos de via e rede aérea, sistema de alimentação com baixa confiabilidade, imobilização excessiva de frotas de trem etc. As dificuldades diárias de tal situação forjaram, ao longo dos anos, uma equipe excepcionalmente preparada de técnicos e engenheiros de manutenção.
Contudo, mesmo tal equipe não pode manter o sistema com a desejada qualidade de serviço sem investimentos. Estes investimentos, no entanto, vêm sendo executados num volume nunca antes disponível para os trens urbanos de São Paulo: vias e rede aérea são modernizadas, estações são reformadas e construídas, tecnologia de ponta em sinalização é instalada. Não há quilômetro sem melhorias.
Apenas como exemplo: a Linha 12, antiga Variante de Poá, sem investimento no passado, mas com grande potencial, em função da topografia favorável e existente grande demanda de viagens, recebe obras em todos os seus subsistemas neste momento.
Entretanto, em paralelo, a operação continua, e a demanda cresce!
Basta lembrar que nos últimos oito anos o volume de passageiros transportados dobrou, chegando a 2,5 milhões por dia, número muito expressivo, especialmente acompanhado pelo aumento significativo da quilometragem entre falhas, ou seja, na confiabilidade e na regularidade do serviço.
Vamos refletir: para atuar numa via (já vimos que isto pode ser necessário em função de intervenção na própria via ou na rede de alimentação ou na sinalização) é preciso interromper o tráfego.
Como existem duas vias, a circulação poderá ser transferida para a via sem intervenção. Contudo, a circulação nos dois sentidos na mesma via envolve tempos de espera para ultrapassagem e, portanto, atrasos.
O lançamento de vigas de passarelas; a construção de plataformas de embarque provisórias, exigidas pelas obras, ou definitivas; a mudança de posição de desvios, são muitas das situações em que o tráfego é afetado. É claro que grande parte destes trabalhos é feita à noite, em estreito intervalo de duas ou três horas. Contudo, além de alguma inviabilidade técnica, fazer tudo à noite significa aumentar muito o tempo de execução e o custo das obras.
Imaginar que é possível atender a demanda crescente e ainda investir maciçamente num sistema complexo, como descrito inicialmente, sem alguma perturbação à operação no presente, é apenas ilusão!
Numa metáfora simplista, pretende-se tomar banho enquanto se reforma o banheiro! Com esforço do engenheiro e boa-vontade da dona de casa até é possível, mas algum desconforto acontecerá.
De fato, o banheiro ainda é mais fácil que a ferrovia, porque o pedreiro chega depois e vai embora antes do "horário de banho".
Fonte:
DCI