O engenheiro Aarão Reis, chefe da comissão construtora de Belo Horizonte, acreditava ter planejado uma cidade livre dos congestionamentos. O relatório assinado por ele e aprovado por decreto, em 1895, mostrava como seriam os corredores da capital inaugurada, em 1897: “Às ruas, fiz dar a largura de 20 metros, necessária para a conveniente arborização, a livre circulação dos veículos (…). Às avenidas, fixei a largura de 35 metros, suficiente para dar-lhes a beleza e o conforto que deverão, de futuro, proporcionar à população (…)”.
Mas o especialista não poderia imaginar que a frota de veículos do antigo Curral del-Rey cresceria de forma tão rápida. Grande parte do problema enfrentado hoje por motoristas e passageiros é explicada pela comparação entre dois indicadores: enquanto a frota cresceu 79,5% na última década, o número de moradores subiu apenas 9,5%.
Em números absolutos, a planilha da BHTrans revela que o total de carros, motos, ônibus e caminhões saltou de 679 mil unidades, em 2000, para 1,2 milhão, em 2009 (540 mil unidades a mais). No mesmo período, relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostra que a população passou de 2,23 milhões para 2,45 milhões (saldo positivo de 214 mil habitantes). O aumento significativo da frota é reflexo de vários fatores, como a dilatação dos prazos de pagamento oferecidos pelas concessionárias – algumas empresas negociam prestações em até 72 vezes.
No fim de 2009, a decisão da União em reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos veículos zero para enfrentar a crise mundial também ajudou a impulsionar o mercado.
O fator cultural é outra explicação para o aquecimento nas vendas. “É sinônimo de status”, reforça o consultor e professor universitário Frederico Rodrigues, doutorando em engenharia de transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre na mesma área pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Ele coordenou pesquisas que sobre a Avenida Antônio Carlos e a Linha Verde, duas das principais vias da capital. Os estudos de campo foram feitos pelos alunos da disciplina planejamento de transportes e tráfego do Cefet-MG. Eles ouviram a opinião de 920 motoristas, passageiros e moradores de bairros cortados pelos dois corredores.
A pesquisa apresenta dados que podem orientar o poder público a melhorar o transporte coletivo em ambas as vias. Para se ter uma ideia, 52% dos condutores abordados pelos alunos na Antônio Carlos disseram que estão dispostos a deixar o carro na garagem para usar os ônibus, mas enfatizam que a troca depende de investimentos no saturado sistema de transporte público. Em fevereiro, por exemplo, a greve dos rodoviários mostrou que basta os motoristas decidirem sair de casa com seus carros, ao mesmo tempo, para a cidade parar.
A prefeitura, o governo estadual e a União vêm investindo elevados recursos para melhorar o vaivém de veículos, como o alargamento de vias, entre elas o Anel Rodoviário, a Linha Verde e a Antônio Carlos. A implantação de pistas exclusivas para ônibus nestas duas últimas também foi outra estratégia adotada.
Da mesma forma, a promessa de adotar o transporte rápido por ônibus (BRT, do inglês bus rapid transit) até a Copa do Mundo de 2014, que terá a capital como uma das sedes.O sistema prevê o pagamento antecipado da passagem, a exemplo do que já ocorre em Curitiba (PR), e deve ser instalado nas avenidas Cristiano Machado, Pedro I, Pedro II e Carlos Luz. Todas dão acesso ao estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão.
Mas a melhoria no trânsito passa pela expansão do metrô, que não atende toda a população em razão do trajeto limitado. A chamada linha 1, construída na década de 1980 e que liga o Bairro Eldorado, em Contagem, à estação Vilarinho, em Venda Nova, transporta 160 mil passageiros por dia. Nos horários de pico, as composições trafegam abarrotadas de pessoas. Algumas não conseguem entrar nos vagões na primeira tentativa.
Em agosto passado, a União repassou R$ 15 milhões à Companhia Brasileira de Trens Urbanos para que a autarquia atualize os projetos básicos dos ramais 2 (Barreiro/área hospitalar) e 3 (Pampulha/Savassi), classificados como essenciais para desafogar o trânsito da cidade.
O projeto vai avaliar os traçados do estudo anterior e outros aspectos, como a sondagem do solo e locais das prováveis estações. Contudo, não há data para que as linhas 2 e 3 saiam do papel. Enquanto a cidade fica refém de mais recursos, condutores e passageiros vão continuar enfrentando os diários congestionamentos, palavra conhecida por qualquer motorista de hoje.
Fonte: UAI Minas