Responsável pelo cadastro dos estudantes, a empresa Fácil é controlada por três donos de concessionárias que operam no sistema público. MP fala em conflito de interesses e Tribunal de Contas pede investigação
O rombo nos gastos com o Passe Livre Estudantil se deve em parte ao descontrole no cadastro de beneficiados, reflexo da falta de prestação de contas dos recursos por parte da Fácil, empresa que gerencia o programa. A Secretaria de Transportes não sabe para quem paga. E um fato leva agora à suspeita de direcionamento de lucros na gestão do programa, que deveria garantir transporte de graça aos estudantes do Distrito Federal. Um dos sócios da empresa Fácil Brasília Transporte Integrado, responsável pela administração do serviço, é Wagner Canhedo Filho, dono da Viplan, empresa de ônibus que também recebe o dinheiro dos passes.
O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) determinou que a Secretaria de Transportes apure o que o Ministério Público aponta como “conflito de interesses”. O Tribunal ordenou que seja feita uma inspeção em regime prioritário para verificar, entre outros pontos, a revisão do convênio entre a Fácil e o GDF devido ao “aparente conflito de interesses, uma vez que a empresa é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, mas representada pelos operadores do Sistema de Transporte Público Coletivo, mais especificamente os senhores Wagner Canhedo Filho, Eduardo Queiroz Alvez e Victor Foresti”, aponta o Processo nº 11.760/10, do TCDF.
Todos os três são donos de empresa de ônibus. Victor Foresti e Eduardo Queiroz são genros e sócios do empresário Nenê Constantino na Viação Planeta. O TCDF também determinou que seja investigada a ausência de prestação de contas por parte da Fácil à Secretaria de Transportes.
Regras
“Vamos alterar as regras do Passe Livre estudantil, senão o governo não dá conta. E vamos alterar uma série de requisitos para reduzir filas, para que o benefício chegue para quem precisa, e não como está acontecendo hoje. Cartões vão sendo carregados para pessoas que não precisam e vão acumulando até R$ 1,2 mil, R$ 1,5 mil, R$ 2 mil. Isso acabou”, afirmou ontem o governador Rogério Rosso (PMDB).
Os gastos mensais com o Passe Livre extrapolam em 140% a previsão orçamentária. Estavam destinados R$ 50 milhões este ano para o programa. Mas somente de fevereiro a abril já foram utilizados R$ 26 milhões. Se continuasse no mesmo ritmo, o GDF teria de arcar com R$ 120 milhões até o fim do ano, quase 2,5 vezes mais que o previsto. O convênio da Fácil foi assinado em 2007, na gestão do ex-governador José Roberto Arruda.
Para tentar amenizar os problemas enfrentados pelos estudantes, hoje o GDF promete liberar cerca de R$ 2 milhões para suprir a demanda do Passe Livre nos próximos dias. Há uma semana os beneficiados estão sem recarga nos cartões. Os recursos vão cobrir os custos do programa até que seja aprovada, em regime de urgência, a nova lei que regulamente o benefício.
Ontem, o governo enviou à Câmara Legislativa o projeto que prevê novos critérios. Também ontem, o Tribunal de Contas se pronunciou recomendando que nenhum estudante seja prejudicado com a nova legislação. Atualmente, cerca de 120 mil jovens utilizariam o Passe Livre.
Mudanças
Entre as principais mudanças na lei está a criação de um limitador social para a concessão do Passe Livre aos estudantes com renda familiar bruta mensal de três salários mínimos (o equivalente a R$ 1.530). O projeto de lei também exige o acesso do governo, por meio do DFTrans, aos cadastros feitos pela empresa Fácil, assim como a relação dos créditos efetivamente utilizados pelos beneficiários.
O pedido de fiscalização do programa Passe Livre veio da representação da procuradora-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF, Marcia Farias, com pedido de medida cautelar urgente para que a empresa Fácil não suspenda, sob alegação de que não recebeu ainda recursos do GDF, o serviço de recarga dos cartões estudantis. O Tribunal, por unanimidade, acatou a representação. Assim, a Fácil está impedida de interromper o serviço até efetiva aprovação de suas prestações de contas pelo TCDF, sob pena de aplicação das penalidades previstas em lei.
Os gestores públicos e privados podem ser alvo de ações de responsabilidade se não acatarem as decisões do Tribunal de Contas. No início da noite de ontem, o Correio procurou o empresário Wagner Canhedo Filho, mas não teve retorno. Por meio da assessoria de imprensa, a Fácil limitou-se a informar que não poderia manter o serviço de recarga nos cartões de transporte estudantil sem antes receber o crédito dos recursos do GDF.
Alegou que o sistema operacional não permitiria isso. E confirmou que desde a sexta-feira da semana passada o serviço não estava sendo realizado, deixando milhares de estudantes sem direito ao ônibus gratuito.
Fonte: Correio Brasiliense