Acima, uma rede elétrica com um remendo a cada 58 metros. Abaixo, buracos, lombadas e valetas. Nesse cenário, os trólebus de São Paulo se transformaram em mais um obstáculo para os motoristas. Esses veículos - sem barulho de motor nem emissão de poluentes - sofrem, em média, sete quedas de energia por dia, bloqueando as faixas de trânsito. Cada paralisação dura cerca de duas horas e meia.
As informações fazem parte do inquérito civil 740/2008 da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e foram repassadas, na terça-feira, pela própria empresa que opera o sistema na cidade, a Viação Himalaia. Atualmente, a frota de trólebus é de 213 veículos. O contrato com a Himalaia previa troca de 140 deles, mas até hoje só 12, com mais de 30 anos de uso, foram trocados. O inquérito investiga a qualidade do transporte público e todos os depoimentos são colocados na internet, no site www.onibus.blog.br, pelo promotor que conduz a investigação, Saad Mazloum.
Segundo a Himalaia, entre janeiro de 2008 e abril deste ano, foram registradas 6.427 quedas de energia na rede de trólebus. As interrupções não ocorrem na rede toda, mas em pontos isolados do sistema. "Se tenho uma queda na Avenida Rio das Pedras, 70 carros (trólebus) ficam parados. Se a queda é no anel viário, ficam até 130 carros parados. Já se é na Rua Cardoso de Almeida, são dez carros", diz o diretor da empresa, André Lissiandre.
Os motoristas dizem sentir esse problema. "Teve uma vez em que eu desliguei o motor do carro por 20 minutos esperando o trólebus sair da rua", disse o analista financeiro Maurício Medeiros, de 37 anos, que trabalha no centro. "Já aconteceu de eu ficar dias inteiros sem trabalhar. Os trólebus ficam parados e bloqueiam a rua toda. Assim, fico sem clientes", comenta o taxista Nelson Costa, de 52 anos, que tem um ponto no cruzamento do Viaduto Jacareí com a Rua Santo Antônio.
Briga judicial. Ao Ministério Público, a Himalaia afirmou que o grande problema do sistema é a falta de manutenção da rede elétrica. A manutenção "deveria ser feita pela Eletropaulo, sob controle da SPTrans (empresa responsável pelo gerenciamento do transporte público de São Paulo)". "Ocorre que há uma briga judicial entre as duas empresas", diz. "O certo é que, no fim das contas, nenhuma das empresas está fazendo a manutenção." O promotor Mazloum confirma a existência do problema jurídico, mas diz que ainda não sabe quem tem razão. Por isso, convocou os presidentes da Eletropaulo e da SPTrans para prestar depoimento. Ele pode processar as duas empresas - e os presidentes - por danos morais coletivos.
A AES Eletropaulo disse, em nota, que "inspeciona e realiza a manutenção nas subestações e rede elétrica que abastecem as linhas de trólebus do centro da cidade 24 horas por dia", mas que não tem recebido pagamento pelo serviço. "A distribuidora move uma ação judicial para o recebimento dos valores gastos". A SPTrans não comentou a falta de pagamento.
Por conta dos atrasos, a Himalaia diz pagar R$ 100 mil em multas, em média, por mês, para a SPTrans. O argumento da empresa é que a frota é limitada. Se os trólebus ficam sem energia, eles precisam ser repostos por ônibus comuns. Assim, parte de sua frota é deslocada para socorrer os trólebus que ficam parados. As linhas comuns ficam com menos carros e, consequentemente, os intervalos aumentam, o que leva a multa.
Em nota, a SPTrans rebate. Diz que a média em 2009 foi de R$ 63 mil por mês em multas e, neste ano, está em R$ 68 mil. "Se considerarmos apenas as linhas de trólebus, que são as que podem sofrer as interferências em função da rede elétrica, em 2009 a Himalaia foi multada em R$ 95 mil por descumprir partidas. Menos de R$ 8 mil por mês. Em 2010, foram R$ 54 mil em multas, mantendo a média de menos de R$ 8 mil mensais."
Modelo ideal. Apesar dos problemas, os especialistas defendem os trólebus. Como são movidos a energia elétrica, eles não poluem. Já os 14 mil ônibus da cidade jogam, anualmente, 142 mil toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.